A TUA CIDADE
Vou contar-te uma
história que faz parte da nossa. Nunca cheguei a dizer-te. Não achei
importante. E o fazer as pazes era sempre tão apaixonadamente forte que as
palavras se esqueciam de falar.
Mesmo sem estares a
meu lado, mas ainda contigo no coração, fui à tua cidade no fim-de-semana.
Estranho não teres
estado comigo na cidade que tão bem me habituei a conhecer através do sentido
que davas aos teus sentidos.
Descobri o toque
irreal que os sítios e as coisas tinham quando estavas comigo, descobrindo o
seu sentido de um modo mais solitário. E perguntei por que razão nos tínhamos
chateado...não conseguia saber ao certo.
Os sítios seriam,
certamente, os mesmos; os sabores e as temperaturas dos lugares também. Os
cheiros e os aromas, o chilrear dos pássaros ao anoitecer e o som enovelado das
rolas nos pinheiros estavam lá todos. Mas até os pássaros chilrearam de forma
diferente. Ou seriam os ouvidos do coração que eram outros?
Fui ao talho onde
costumávamos comprar os bifes, passei na Bertrand
onde encomendávamos os livros, sentei-me no café da Fnac depois de namorar por ti os livros e os cds.
Comprei os croissants do costume, cheios de açúcar
por cima, na pastelaria do teu bairro. Comi por ti os doces que tanto gostavas
e sentei-me a ver ao longe o mar, com um manto verde aos pés, feito de arbustos
e plantas verdes que só aquele sítio da tua cidade tem.
Por fim, ao anoitecer,
os pássaros começaram a costumada barulheira nas árvores vizinhas à tua casa.
Recordo-me que um
dia, perante a minha interrogação de tal fenómeno, inventaste que eles faziam
tanto barulho por se debaterem ferozmente pelo melhor ramo de árvore para
pernoitar. Ri-me e fingi que acreditei.
Deste-me a mesma
explicação quando na Galiza, num dia quentíssimo de verão ao cair da tarde,
estávamos sentados num dos claustros de um parador
e, de um momento para o outro, os pássaros começaram a mesmíssima barulheira.
Rimos com essa
história e com o vinho verde que escorregava pela garganta. Ali ficámos a olhar
a copa das árvores vendo o esvoaçar mágico de tanta passarada! Ainda assim, não
acreditei totalmente na tua explicação! Fingi só para te fazer feliz.
Hoje acredito que os
pássaros fazem aquela algazarra toda ao fim do dia, seja Verão ou seja Inverno,
guerreando por um melhor ramo para passar a noite e para namorar.
Naquele
fim-de-semana, nas árvores ao pé de tua casa os passaritos fizeram o mesmo
barulho de sempre.
Mas não bati à tua
porta. Um fim é sempre mais um.
Há fins infinitos
dentro de outros fins. O fim da semana, o fim da vida, o fim do turno. O fim de
um gelado e o fim dum projecto. Dos amores e dos desamores também. O fim do
mundo. Fim é a palavra certa para nos dizer que estamos vivos.
Que há curtos fins
de compridas histórias com fins felizes e desfechos com lágrimas. Os fins levam
as pessoas a começarem coisas. A teimarem em amar-se outra vez. A empreenderem
viagens novas com fins já sabidos ou calculados à partida, com a chegada ao
fim.
Só dias mais tarde
te abri a porta quando foste ter a minha casa.
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