Escrever histórias 100 palavras

As histórias fazem parte do nosso universo, mesmo quando já somos crescidos por fora. Escrever histórias é uma das formas de conseguir sobreviver ao mundo dos crescidos. Helena Artur é o pseudónimo da Joana Quinta

sábado, agosto 12, 2017


REFAZER FUTUROS




Recostou-se no cadeirão deixando pender a cabeça para trás num derradeiro gesto. Pensava no que o passado tinha levado consigo. Na porta que finalmente fora obrigado a fechar para sobreviver a uma forte tempestade que acabaria por ser fatal. No que tinham sido um para o outro e no momento da separação. No deambular pelos caminhos da incerteza e da desconfiança. O momento em que se rendeu por cansaço.

O amor que damos nunca é igual ao amor que se recebe, por muito que o tentemos pesar numa balança de sentires e emoções. É mesmo assim, está sempre em desequilíbrio. Qual o lugar que ocupa o sofrimento? Interrogou-se olhando o nevoeiro que se adensara desde a manhã.

Interrogava-se relembrando o caminho percorrido, as juras, os encontros, as mãos, as fugas, os atrasos, o passado e o vazio do presente. Um presente onde os silêncios alimentavam o dia-a-dia.

Inclinou-se novamente sobre a secretária relendo:  Passam-se semanas e o teu silêncio é perturbador. Creio que não queres ser incomodada e vais levando o teu fardo a bom porto e claro, estás no teu pleno direito. Tenho muitas saudades tuas e terei que viver com isso de forma educada e contida e por isso este mail só fará sentido se souber que está tudo bem contigo, ou seja, na mesma onda de sempre. Afinal o tempo passa, estamos outra vez no Outono e a vida continua não muito emocionante. Um beijo.

- Mas a vida também é feita de silêncios e sonhos. – costumava dizer-lhe ao ouvido, quando permaneciam horas a fio encostados um ao outro.

Um sinal sonoro fê-lo voltar à realidade e percebeu que tinha recebido uma mensagem. Abriu a caixa de correio electrónico.

- A vida também é feita de silêncios e sonhos... Aprendi-o há muito e da pior forma. Também contigo. Mas vou vivendo, refazendo-me, tecendo a teia da minha nova vida e não me queixo talvez por ter igualmente aprendido que de nada valerá. 
Sei que a vida, por vezes, pode não ser emocionante, ou melhor, sei que a vida é sempre emocionante mas que, por vezes, nós não conseguimos sentir essa emoção e essa fantástica experiência que é viver. Mas nunca a devemos perder...não te esqueças que a reencarnação não é certa e que viver é certamente a grande maravilha ! Um abraço. Teresa.

Teria sido melhor não lhe ter escrito! Tratá-lo como um amigo a quem se fala do tempo e dos silêncios??!! Bolas, por que seria que a bitola nesta vida tem sempre que ser o sofrimento?

Aquela dor surda que rói a vontade, o ânimo e a esperança. Aquela dor que fará sempre a diferença no próximo amor. Aquele odor que se recorda como ao perfume de quem se amou. Aquele tremor que nos remexe as entranhas quando ainda temos medo de nos perder.

Sentiu o chão debaixo dos seus pés. 
Acariciou o bichano que permanecera imóvel no sofá fazendo ninho no seu casaco e saiu atrevendo-se nos silêncios vivos da noite.

Buscava o tempo que sara as feridas profundas. Buscava tornar a refazer os futuros.