Escrever histórias 100 palavras

As histórias fazem parte do nosso universo, mesmo quando já somos crescidos por fora. Escrever histórias é uma das formas de conseguir sobreviver ao mundo dos crescidos. Helena Artur é o pseudónimo da Joana Quinta

quinta-feira, abril 14, 2005



PARA A MINHA SOBRINHA INÊS



Arrumar os nossos sentimentos.
É uma das regras da vida, para sobrevivermos a nós próprios
e ao turbilhão da juventude –
saber arquivá-los, entendê-los, contá-los, esquecê-los, AFINAL O QUE DEVERIAM ENSINAR-NOS NA DISCIPLINA DO 9ºANO CHAMADA “ESTUDO ACOMPANHADO”!

Mas ninguém nos diz como se sobrevive a um sentimento
que sabemos que devemos arrumar
e que teima em aparecer no nosso coração:

por exemplo, o amor de uma mãe que queríamos diferente,
a pulsão que nos atrai para aquele miúdo lindo de morrer
que sabemos perfeitamente que só quer “gozar com a nossa cara”,
aquilo que sabemos não ser certo mas que não resistimos em fazer
nem que seja para nos sentirmos mais crescidos, mais donos da nossa vida, mais importantes para os outros e consequentemente para nós...!


Minha Querida Inês,
Sabes que os 15, os 16 e todas as idades são só e simplesmente únicas?
Só há lugar a uma tentativa...o que vivermos de bom e de mau ficará a ser não só o nosso passado, mas também o alimento do nosso presente.
E pode ser mais amargo ou mais doce, dependendo da rapidez e inteligência que tivermos em entender isto!
Gostaria muito de viver contigo. E já que não pode ser debaixo do mesmo tecto que seja dentro do mesmo coração que é a casa das almas de quem se gosta.
Sabes que podes e deves continuar a contar comigo sempre e todas as vezes em que se repetir o nascer do sol.
Talvez juntas seja mais fácil aprendermos a arrumar(-te), a entender o amor ( por ti) , contá-lo e compreender o que teima em magoar... ou não.
E sabes sempre onde estou e qual a razão pela qual estarei sempre: pura e simplesmente pelo amor, carinho e preocupação que sinto por ti.

Lembras-te daquela promessa acerca do teu primeiro bébé?
Um dia, quando fores realmente crescida, irei ao teu casamento, ver-te-ei partir para fora da asa do teu pai e voares o teu primeiro voo sozinha, verdadeiramente sozinha.
E esperarei que me digas o nome que vais dar à tua primeira filha.
Na altura mais certa, com os compassos mais certos.

É como na música: os compassos aprendem-se, errando e tornando a tentar.Mas com a convicção e a vontade de não tornar a falhar.
Pois de contrário poderá ser fatal e nunca saberemos ouvir ou tocar, ou sequer ensinar música.

E nesse dia irás rir das lágrimas, dos erros e desta carta da "tia cota".

Todos cometemos erros
relativamente a nós e uns aos outros

... provavelmente nas piores alturas
e das piores formas, por razões várias,
de variada ordem, até de ordem fisiológica.

Mas todos temos a responsabilidade de tentarmos emendar a mão,
e de fazer com que valha a pena a vida que Ele nos deu.
E isso
significa responsabilidade
que também pode ser (com)partilhada.
(Não te sentes responsável pelos erros
que cometeste? Eu sinto!)

Estou a pedir-te “ajuda: ajuda-me a ajudar-te para que aprenda a amar-te cada vez mais, compreendendo-te cada vez melhor.
Assim compreenderei bem melhor o mundo.

A partir do momento que deixámos de estar próximas, sem podermos falar... deixaste-me mais sozinha.

E sinto saudades nossas.

Serás capaz de me fazer companhia dizendo-me o que sentes
( ou o que não sentes ?!)?

Minha querida Inês,
Há amor que nasce protegido da erosão do corpo,
sendo apenas perfume,
apenas um contorno,
coreografado em redor dos arcos-íris
dessa anumada esperança a que chamamos alma.
Fala-me de sentimentos.




Tia Mogli