Escrever histórias 100 palavras

As histórias fazem parte do nosso universo, mesmo quando já somos crescidos por fora. Escrever histórias é uma das formas de conseguir sobreviver ao mundo dos crescidos. Helena Artur é o pseudónimo da Joana Quinta

domingo, janeiro 22, 2006

CON(S)CIÊNCIA




Consciente de estar deitada
em cima da cama
a teu lado
fecho novamente os olhos,
acabados de abrir faz pouco tempo,
recordando a sensação doce
de te ter tido mais comigo
do que com outro alguém.

Deitada na cama – tua? nossa?
de olhos fechados
sinto ainda as ondas do teu mar
dentro do que não sei se sou eu
e peço para essa sensação não se desvanecer.

Deitada na cama
já sem olhos ou ouvidos
nua de roupa e de preconceitos,
lambo os meus lábios
molhando-os com saliva
como te molhei horas antes
até morderes os teus com os dentes
que me morderam longamente a nuca
e me rasgaram as parcas roupas que trazia no corpo

ao chegar
ao chegar-me
ao chegares-te a mim
ao amares-me através da saliva que deixei
no teu pelo crespo e cheiroso
com cheiro a amoras escuras e húmidas.

Sensações e desprendimento feito
vertigem com cores,
que não tens na tua paleta de artista,
cores parecidas com o vazio do teu olhar
quando sentes o prazer do teu sexo
duro e quente abraçado pelos meus dedos,
amado pela minha boca.

Vertigem como se nos tivéssemos perdido no mar
que ontem contemplámos da janela do teu esconderijo
feito casa
onde as promessas foram poucas e o amor demais
onde procurei refúgio e te encontrei
não guarita mas soldado.

As tuas mãos nas minhas ancas
foram as âncoras da minha embarcação
durante longos meses de pousio
sem largar, sem partir
sem sequer pensar onde seria o mais além,
o depois e o porquê?

Tu e eu e o que só nosso pode ser
no mundo que pintámos
com cores que descobrimos.
Que lavamos com as lágrimas que deixamos chorar
que guarnecemos com as músicas ouvidas
nas madrugadas dos dias curtos.

Que amamentamos com os bicos dos seios
da solidão vivida a dois
sedenta do fluxo quente de um amor maduro
e duro
e quente
e amigo
de amantes empoleirados
nos ramos da árvore dos sexos sem paredes,
sem fantasmas translúcidos a meterem medos ou sustos.

Só nós, as cores, os sons e o bater do nosso coração
a chamar, a chamar
os nossos nomes e os nossos sentidos.

A minha língua no teu ventre
como pano carmin afagando a tua barriga,
chegando ao teu sexo que se move
e se empoleira nos meus lábios
chamando,
pedindo a minha boca quente e macia
para nela descansar desfazendo-se num leite
esvaziado de vida
outrora com dono e descendência.