Escrever histórias 100 palavras

As histórias fazem parte do nosso universo, mesmo quando já somos crescidos por fora. Escrever histórias é uma das formas de conseguir sobreviver ao mundo dos crescidos. Helena Artur é o pseudónimo da Joana Quinta

sexta-feira, janeiro 20, 2006

JÁ NINGUÉM SE APAIXONA ?
acerca de um texto do Miguel Esteves Cardoso
Já ninguém se apaixona com verdade, já ninguém tem capacidade para viver um amor impossível. Nem se entende o que isso é. Já ninguém aceita amar sem uma razão. A paixão, que devia ser desmedida, tem já conta, peso e medida. É na medida do possível.
Os namorados de hoje são cobardes e comodistas. Incapazes de um rasgo de alma, de um golpe de asa, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, qualquer coisa que mostre um verdadeiro amor. Tudo isto já não é possível porque hoje já ninguém se apaixona. São utilizadores de telefones, colegas de cantina e tomadores de bicas, comedores de saladas rápidas, mas não apaixonados. Será que já ninguém tem capacidade real para se apaixonar?

Já ninguém aceita a paixão, a saudade sem fim, a tristeza e o desequilíbrio. Já ninguém paga o preço do medo, o custo do amor e da mágoa que nos come o coração e que nos adoça o peito ao mesmo tempo? O amor é diferente, o amor não é o mesmo que a vida. São coisas diferentes.

O amor não é para ser uma ajuda para sobreviver a esta vida que nos cansa. O amor é a razão de sobreviver a esta vida. O amor não é o intervalo nesta íngreme e esburacada estrada da vida. O amor é, por si só.
Que saudades do romance, da maluquice, dos choros, dos abraços e das flores. O amor foi trespassado pela "vidinha". Furado de um lado ao outro com uma seta ao contrário.
Igualmente trespassado tal como as drogarias e as mercearias para darem lugar às "grandes superfícies".
O amor é uma coisa, a vida é outra. Mas a vida, às vezes, mata o amor. O amor verdadeiro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor é uma condição.
Não se consegue explicar. Não se consegue perceber e também não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a viver, a desatar, a transbordar, a ser mais e mais.

O amor é uma verdade. O amor verdadeiro leva à ilusão, à invenção, à criatividade. Inventa-se quando se ama e sonha-se o que se quer. Mas o amor é uma coisa diferente da vida. São coisas diferentes.

Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não está lá quem se ama, não é ela que nos acompanha : é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É.

É sinal de amor não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho à espera que a tristeza não nos leve antes da chegada de quem se ama. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira.
Só assim vale a pena.

Que me perdoem os amantes de agora, mas nem amantes sabem ser.