Escrever histórias 100 palavras

As histórias fazem parte do nosso universo, mesmo quando já somos crescidos por fora. Escrever histórias é uma das formas de conseguir sobreviver ao mundo dos crescidos. Helena Artur é o pseudónimo da Joana Quinta

quarta-feira, janeiro 17, 2007

TATUAGENS




Neste inverno aconchego-me no casacão grosso cor de beringela porque já não te tenho.
E também já não tenho a frescura dos dias passados em Paris quando ainda havia flores entre nós.
Adormeço neste calor feito de sobreposições sonhando com panos de seda, cetins e mundos por desvendar. Com senhas e códigos secretos para entradas em mundos ainda mais secretos. Atmosferas onde o carmin e a prata se revelam com sensualidade onde nunca sabíamos exactamente onde iríamos entrar e o que iríamos encontrar entrando na sala seguinte. O que revelaria o abrir da porta seguinte sob a pressão da nossa mão? Extremamente intensa aquela sensação única de termos sempre a hipótese de escolha entre esse ambiente ou outro. Ou ainda outro mais além, mais ousado ou menos quente. Mais velado ou menos erótico conforme o que ousássemos ou quiséssemos menos.

...Casais vestidos somente com máscaras endeusantes e misteriosas,
encobrindo identidades e esgáres praticam sexo e sensualidades numa dança virtual cheia de beleza desprovida de consensualidade.
Sem saberem ao certo com quem, sem “ses” nem “porquês” a não ser o sentido dos sentidos no caminho do prazer.
Trilhando as ousadias desejadas, sonhadas e só às vezes experimentadas com pudor ali expõem as suas sensações, os seus desejos os seus fêtiches sem pejos nem maneirismos.

Ninguém poderá reconhecer ninguém. Nunca ninguém se viu nem voltará a encontrar-se.
Nem mesmo velados. Nem mesmo nus sem sexo definido, à sombra de candelabros com reflexos carmim e prata.

Acordo exaltada percebendo que sonhei com cenas de um filme que vi há muito.
Tento recordar o nome e não consigo. O que ficou na memória foi tudo menos o nome do filme.

Aconchego-me mais no meu casacão cor de beringela. O meu casacão preferido de inverno. Fico ainda um pouco mais com as imagens do sonho diante dos olhos.

Se lá estivéssemos os dois não nos reconheceríamos pelas tatuagens invisíveis que temos um do outro?