Escrever histórias 100 palavras

As histórias fazem parte do nosso universo, mesmo quando já somos crescidos por fora. Escrever histórias é uma das formas de conseguir sobreviver ao mundo dos crescidos. Helena Artur é o pseudónimo da Joana Quinta

quinta-feira, março 19, 2009

DIA DO PAI




Embora seja mãe algumas vezes tive de tentar “fazer papel de pai” por força de algumas contracurvas da vida.
Difícil esse papel que não consigo representar na perfeição exactamente por não ser pai.
Mas essas infrutíferas tentativas fizeram-me entender melhor o que está do outro lado, que essência tem o assumir o papel de pai, quais as referências, atitudes e formas de amar os filhos de uma perspectiva masculina.
A forma será diferente mas o amor é igual. Expresso de forma às vezes menos clara que o das mães, mas com igual força embora com contornos muito próprios.
Falo de pais com P maiúsculo, porque pais e mães minúsculos não são para aqui chamados.

Lembro aqui o meu pai e as memórias que tenho dele. As boas e as menos boas. Ele era todas elas.
Partiu cedo demais, quando eu ainda acreditava que os pais só morrem velhinhos.
A partir desse dia a sensação de vazio ficou cá dentro, bem fundo: e agora? Quem perceberá a minha tristeza quando passar pelo corredor em frente à sala, sem nada dizer, fingindo que tudo está bem? E quem me acenará com a mão, levantando o braço para que me aninhe debaixo dele.? E quem assobiará ao chegar a casa?
Será que a Lena se lembra daquela lata grande e redonda com flores vermelhas, a tradicional caixa de bolachas que existia em quase todas as casas? Tinha uma tampa terrivelmente difícil de abrir, e lembro-me que era esvaziada nas noites em que ela ficava à conversa com o pai. Tinha pena que essas conversas ainda não fossem para a minha idade. Sabia que os temas eram sobre os livros de ficção científica que o pai gostava de ler, acerca dos deuses que eram astronautas e dos vampiros que afinal eram anjos. Também falavam sobre os livros policiais, os da colecção "Vampiro" colocados lado a lado, direitinhos e amarelados numa das prateleiras do escritório.
Aquela caixa redonda tinha muito que contar.
A tampa era fechada à pressão, mantendo estaladiços os biscoitos e as bolachas lá em casa. Tão exagerada pressão fez-nos andar muitas vezes de rabo para o ar a apanhá-las do chão.
E o Artur, que recordações terá do pai? Tenho de lhe perguntar.
Todos nós nos lembramos dos anos de luta contra o whiskey e da estranha recompensa que o fez partir. Tantos anos de luta e esforço e, inexplicavelmente, a doença, o sofrimento e a morte era o que estava do outro lado da montanha. Estranho, revoltante, aparentemente incompreensível.

A melhor característica do meu pai? Além do amor por nós, o grande exemplo de amor pela nossa mãe.
Aqui ficam as palavras tornadas sentir.