Escrever histórias 100 palavras

As histórias fazem parte do nosso universo, mesmo quando já somos crescidos por fora. Escrever histórias é uma das formas de conseguir sobreviver ao mundo dos crescidos. Helena Artur é o pseudónimo da Joana Quinta

sábado, fevereiro 11, 2012


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O homem prendia nos braços aquela ave.
Acariciava-lhe a cabeça, percorria com os dedos o contorno esbelto do pescoço. Roçava-lhe com as faces as penas macias, encostava-lhe o ouvido ao peito e escutava o pulsar ansioso do seu coração.

No olhar via-lhe ao mesmo tempo fogo, doçura, pânico e tranquilidade; que estranho tropel de sensações, que vibrações provocavam nele que as julgava mortas há muito ou, pelo menos, acorrentadas à lógica do senso comum.
Que descortinar de um sentir novo, louco, arrebatado e honestamente incoerente.

Mas um dia a bela ave quis partir e então o homem, mordendo os lábios, sentindo na garganta uma tremenda angústia sufocada, retendo nos olhos um orvalho de tristeza, deixou-a ir.
Numa tarde de Agosto o homem abriu os braços, retalhou o peito, cerrou os olhos, sufocou o grito e deixou a ave voar.


Ficou a vê-la afastar-se, elegante, graciosa como uma bola de sabão que se vê subir no céu, como um balão colorido que se escapa das mãos de uma criança.
Ficou a vê-la até à ilusão de que ainda a via.
Depois seguiu, só, triste todo virado para o seu mundo interior, muito seu, felizmente seu.
Os olhos da alma do homem estavam pregados ao céu azul à espera de a ver voltar, para de novo a prender nos seus braços e nunca mais a deixar partir.