Escrever histórias 100 palavras

As histórias fazem parte do nosso universo, mesmo quando já somos crescidos por fora. Escrever histórias é uma das formas de conseguir sobreviver ao mundo dos crescidos. Helena Artur é o pseudónimo da Joana Quinta

quinta-feira, fevereiro 09, 2006


VIDAS, CAMINHOS, DESTINO







Mariana abriu a sua mailbox.
Ele escrevera-lhe mais uma vez. Era um mail cheio de dúvidas temperado com desamor.
Mariana leu-o ainda mais uma vez.
Pegou na gata e levou-a consigo para o sofá, aninhando-a num abraço.
Olhava o tecto da sala à procura das figuras imaginárias que via nos tectos da sua infância. Mas nada. Nem coelhos, nem cães, nem cabeças de cavalos... nada disso. Somente o pulsar do seu coração sentido violentamente e a projecção do seu medo no tecto.

Já tinha sofrido tantas vezes...afinal, de todas as vezes em que acreditara!
O gato saltou-lhe do colo nesse mesmo instante. Mariana começou a escrever, a escrever-lhe. Mais uma vez iria ser sincera e dir-lhe-ia dos seus próprios medos, da partilha das suas dúvidas e de como isso podia ser impeditivo de continuarem a construir os seus castelos.
Mas bem guardado no seu peito havia a esperança de que ele tivesse solução para aquela doença que os minava: o não conseguir acreditar outra vez, tão grande era a dor, e tantas as dificuldades à concretização prática daquela relação.
Será que teria? Será que ele conseguia acreditar outra vez?

Sabia que não podia continuar a viver aquele " sem esperança" muito mais tempo, como se de um destino se tratasse. Que tinha de se enlutar e tentar viver recomeçar se não houvesse saída alguma. Entenderia que ambos deviam buscar a felicidade, o amor, a tranquilidade, a paixão. E o nome do outro passaria a ser a lembrança de alguém que deixou marcas. Sabia que teria de esquecer e esse processo também se fazia conscientemente. O tempo é o grande curador desses males, mas a sua postura também contaria e faria a diferença.

Continuava a escrever-lhe, de um folgo só:


"
Infelizmente sei bem demais do que falas, meu amor.
Tão bem que o peso da incapacidade força-me os ombros e encosto a face às minhas mãos desalentadas.

Também não conseguir acreditar, confiar.
Reviver mais uma das muitas vezes que já sentimos que era a última vez... que seríamos magoados, que as nossas esperanças caíriam por terra, que não seríamos amados como pensávamos merecer e que não mais o outro nos faria sentir tão perdidos.

Não conseguir tornar a creditar, meu amor, é certamente, o grande impedimento da realização de tanta coisa nesta vida.

Acreditar é essencial, sim. Também essencial à vida, já que o amor e a vida são a mesma coisa.
E acreditar que se pode acreditar, também.
Acreditar que já não se consegue acreditar outra vez é a realidade com que ambos nos debatemos neste momento, apesar dos sentimentos que ainda teimam em pulsar dentro da alma.

A vida deixou correr o tempo na nossa relação e estamos agora confrontados com uma realidade que só nos põe dois caminhos à frente. A escolha não tem muitas variáveis. Somente duas. Ou conseguimos voltar a acreditar ou não.

E não se trata de escolher. Trata-se de sentir. E o que ambos sentimos agora é dor. De mágoa, de solidão, de injustiça, de incapacidade, de desalento... De não conseguir acreditar. Da incapacidade de sonhar.

E um sentir não se constrói, não se arranja, não se compra, não se vende nem se faz de conta. E também não se remenda. Os pontos esgaçam sempre que se remendam sentimentos.


Resgataste de mim os teus pertences, arrancando-me a última esperança a que me agarrava quando o desânimo entrava.
Não consigo resgatar tão facilmente os meus de ti.
Só sei que não quero sofrer outra e outra vez.
Quero amar-te mas com um amor feliz, de quem confia que o outro quer, de facto, o melhor para nós, que o outro olha e zela por nós, que o outro nos ama acima de tudo e “até debaixo de água”.

Como se volta a acreditar, meu amor? Infelizmente eu não sei.
Só o destino traçará as linhas da direcção dos meus passos. Adeus, espero-te na volta do correio...Antigamente esperar-te-ia na esquina.

Um beijo
MariaAna”