Escrever histórias 100 palavras

As histórias fazem parte do nosso universo, mesmo quando já somos crescidos por fora. Escrever histórias é uma das formas de conseguir sobreviver ao mundo dos crescidos. Helena Artur é o pseudónimo da Joana Quinta

quinta-feira, fevereiro 02, 2006



TOCANDO OS PÉS





Todas nós já fomos donzelas, fadas e meninas.
Assustadoras de medos e boas ouvintes, causadoras de angústias e de loucuras.

Todas nós já estivemos quase noivas, já fomos mulheres casadas, ou meninas casadoiras quebrando amarras e inventando o nosso próprio destino na medida de um sonho, onde, mais tarde, nos apaixonámos loucamente e embalámos os nossos filhos.

Todas nós já tivémos vinte e dois anos, refazendo coisas dos dezassete; todas nós já ficámos perto de alguém pensando que seria aquele o nosso lugar.

Já todas nós, pelo menos uma vez mais, tecemos um novo vestido de noiva repleto de esperas,
desejos e ânsias, bordado com cordões azuis tocando os nossos pés... Como se não os soubéssemos pousar...em que chão? Em que nuvem? Em que mágoa? Esperando por alguém que nos ensinasse!

Todas nós já sentimos o fim debaixo dos nossos pés, para o bem ou para o mal.
E também já sentimos como é que a angústia pode ser tão doce quando se vigia o sono de quem se ama.

Todas nós já nos questionámos -Como é que pude apaixonar-me assim?.
Na medida da impossibilidade de nos acharmos, reconhecermos ou até de nos recolhermos.
Entre a loucura e o amor.

Todas nós, pelo menos uma vez,
planeámos o imprevisível, amámos o improvável,ou nos enganámos na direcção.

Mas como quem tece o futuro, deitando fora o passado ou fazendo dele história, já todas nós confiámos que podíamos ser o que quiséssemos.

Todas nós já fomos prostitutas de rua, acompanhabtes de luxo, encantadoras do nosso amor, mulheres de vida fácil e difíceis sentimentos.

Mas, pelo menos uma vez, já fomos com verdade, no país onde não é preciso fingir, num pensamento feito desejo, noivas de quem queríamos que nos merecesse.
Com um vestido tecido por nós e tranças de longos fios de ilusões.

Fomos noivas sem sabermos onde podíamos por os pés.

E todas nós, sem excepção, gostaríamos de voltar, nem que por uma só vez, a não saber onde pôr os pés.