Escrever histórias 100 palavras

As histórias fazem parte do nosso universo, mesmo quando já somos crescidos por fora. Escrever histórias é uma das formas de conseguir sobreviver ao mundo dos crescidos. Helena Artur é o pseudónimo da Joana Quinta

segunda-feira, março 05, 2007

MARIA



Ainda era cedo para comer algo mais substancial. Mas como sabia que a cerimónia iria demorar saí da igreja procurando uma pastelaria.
Parou um táxi bem junto da berma do passeio onde estava. Dei um passo atrás assustando-me com tamanha falta de cuidado.

A porta abriu-se e reconheci Maria, uma das minhas filhas "emprestadas". Como lhe chamava, uma “filha do coração”.

Estava uma mulher...ah, se tu ainda a pudesses ver estarias orgulhoso como pai. Abraçou-me dizendo-me que as saudades tuas eram imensas e que eu devia pensar em regressar definitivamente a Portugal. Que já não fazia sentido morar em Paris sem ti.
Vinha com a sua prima Madalena com quem pouco privei por causa daquele teu amuo infinito com a tua irmã. Também estava muito bonita mas sempre muito mais reservada que a prima.
Perguntei à Maria como estava, pela mãe e pelo resto da família.
Confessou que nunca mais se tornara a dar com a mãe desde o incidente com o Afonso, aquele namorado de quem tanto tinha gostado e sobre o qual tanto a avisámos.
De facto, aquele caso com a mãe dela e com o rapaz tinha sido perfeitamente fora de qualquer contexto normal de regras de um relacionamento familiar.
Falaste-me pouco da tua ex-mulher, da Rosa. A tua mãe, a "Tia" Matilde, é que passava horas à conversa comigo e foi-me contando isto e mais aquilo preocupada com a neta.

Naquele dia Maria telefonou-nos e de tanto soluçar nem entendias o que dizia. Estávamos ainda em Lisboa e foi ter connosco. O relacionamento entre elas ficou lamentavelmente e definitivamente cortado.
Contrariando o que aconselhaste encontrei-me com a Rosa para tentar entender o que se passara e tentar reconciliá-las. Mas foi em vão. Tinhas razão.


“Rosa olhou uma vez mais para a filha e tentou afastar a sombra daquele pensamento que, a pouco e pouco, ia tomando forma e lhe ia corrompendo o pouco sossego em que vivia.
Apesar de não ter sido desejada ou, sequer, amada por ela, inevitaveelmente Maria tornara-se numa bonita rapariga de dezoito anos acentuando cada vez mais os cinquenta e dois anos de sua mãe.
Uma relação estranha esta, entre a Rosa e Maria: Rosa uma mãe biológica mas desde sempre ausente da vida da filha por mais que socialmente os esforços tivessem sido para que as duas crescessem juntas aprendendo o papel de cada uma neste tipo de relação parental.
Mas tudo isto se tornou impossível.
Rosa lembrou-se o que sentiu quando, ao chegar a casa após a primeira consulta com a bébé, compreendeu o quanto passaria a estar presa em casa, a horários, a fraldas e a mamadas. Decididamente achava-se demasiadamente importante para se desperdiçar com o papel de mãe. Certamente que Miguel teria dinheiro para pagar uma ama à filha. E assim foi feito.
Apesar disso, passados poucos anos após o nascimento Maria seria entregue ao pai pelo Tribunal de Família e Menores. No divórcio Rosa abdicaria de ter a filha à sua guarda, continuando a achar-se demasiadamente importante e com uma vida à frente para ser vivida e não para desperdiçar tempo e juventude a perder noites com dores de ouvidos e dores de barriga infantis.

Passados dezoito anos Rosa olha para a filha com um imenso amargo de boca tentando recuperar a vida que, afinal, não conseguiu viver. Onde estava a sua juventude? De que lhe serviu a sua liberdade? A sua carreira e o seu sucesso ...Sucesso? Mas qual sucesso? Em quê?
Por mais operações de estética, lipos, massagens, emagrecimentos excessivos, não consegue voltar a ter vinte ou trinta anos. E não entende porquê!
Mas repara no Afonso, o actual namorado da filha, uns anos mais velho que a miúda.

E como é agradável quando tomam café juntos a pretexto de conversarem acerca da miúda!... Foi assim que Afonso se tornou o seu confidente.

Naquela tarde de Agosto Rosa desabafou, choramingando, o quanto se sentia triste com o seu namorado. Que ele era “um este e um aquele”, que ele não a merecia, que ele nunca se tinha divorciado da mulher apesar das promessas, o quanto se sentia só por ele estar no México de férias...Afonso era um ótimo ouvinte apesar dos seus vinte e poucos anos.
Rosa notava como Afonso lhe olhava para o colo, discretamente deixado à vista debaixo de botões desabotoados da camisa de tecido enrugado.

E daquela vez que o levou à estação?! Lembra-se bem daquela festa que ele lhe fez na cara para que não pensasse mais no namorado comprometido.
Rosa entendeu o quanto invejava a mocidade da filha, a vida que ela tinha pela frente e não aceitou, mais uma vez, que a dela lhe tivesse passado ao lado.
Rapidamente pegou no telemóvel e ligou para o rapaz.
Perguntou-lhe prontamente se queria sair com ela. Disse que então se encontrariam no "deck", ao pé do parque. E assim foi.
Após várias bebidas e algumas paragens em discotecas de Lisboa, Rosa levou Afonso para casa alegando incapacidade para conduzir. Já no sofá da sala os beijos sucediam-se aos afagos e ao desejo carnal — ela de carne jovem numa tentativa de recuperar a sua, ele na expectativa da descoberta de alguém com mais experiência.
Afinal nem um sentimento de culpa a assolava. Afinal tudo se tinha passado entre eles e as quatro paredes da sala: como se nem ela fosse mãe nem ele o namorado da filha... até porque ela não era mãe.
Perverso? Não, que disparate! Afinal não passava de mais um jogo das inúmeras manipulações feitas ao longo dos anos com todas as pessoas que, de uma ou de outra forma, lhe poderiam ter servido para alguma coisa.
E, afinal, não tinha cinquenta anos! Tinha a idade que imaginava quando usava exactamente os mesmos soutiens que a filha, os mesmos tops, os mesmos jeans descaidíssimos deixando antecipar desejos de putos rebeldes e inexperientes.

Afinal Maria não lhe fazia sombra. Bastava que manipulasse aquele namoro entre ela e o Afonso condenando-o ou não ao fracasso conforme os seus caprichos dançarinos à mesa de um qualquer café. O rapaz era tão fácil de manipular quão sexualmente inexperiente.

Maria esperava ansiosamente pelo namorado. Estava calor, não adivinhava vento e seria um óptimo dia para reatarem após aquele amuo de namorados. Esperou um telefonema que, finalmente viera após o envio de um seu meigo sms no qual o convidava a estar com ela.
Finalmente apareceu com ar despreocupado e triunfante.

"- Como estás? Tudo bem?" — perguntou-lhe a rapariga.
"- Sim, Bé, tudo bem. E contigo?" — respondeu-lhe em ar de pergunta.
"- Tá-se! A minha mãe telefonou-me e disse que iríamos sair juntos. Mandou-te um beijinho! Pareceu-me bem mais bem humorada do que na terça-feira quando o namorado foi para o México...sabes, aquela história de ser casado..." — confessou Maria.
"- Ah, sim, tá-se! Não te preocupes, passa-lhe. É tudo uma questão de falta de sexo!- Afonso respondeu de forma despreocupada".

Semanas mais tarde o inevitável aconteceu quando Maria regressou a casa da mãe muito mais cedo do que o combinado para passarem juntas o fim-de-semana. Meteu a chave à porta e reparou que a tranca não estava posta.”