Escrever histórias 100 palavras

As histórias fazem parte do nosso universo, mesmo quando já somos crescidos por fora. Escrever histórias é uma das formas de conseguir sobreviver ao mundo dos crescidos. Helena Artur é o pseudónimo da Joana Quinta

sexta-feira, setembro 14, 2007

PROPOSTAS


Já em Paris, cerca de uma semana depois da boda de Ana, Mariana recebeu uma carta de Alice. Vinha em papel azulado texturado.
Apressou-se a lê-la. Ao fim de tantos anos Alice conseguia surpreendê-la com o que lhe escrevia. Era como se um “clic” muito forte se tivesse feito ouvir dentro dela...ou ter-se-ia passado mais alguma coisa que não contava?
Releu parte das suas palavras:

(...) Mariana, bem sei que sabes que a vida é uma proposta difícil. Nenhuma promessa nos é feita de ser fácil vivê-la mas, até certa altura, não nos pesa no coração.
Mais tarde, quando a consciência cresce percebemos que viver é, sem dúvida, aceitar uma proposta e, então, convencidos de algumas potencialidades propômo-nos vivê-la desta ou daquela forma, desta ou daquela maneira.
Mais tarde ainda, quando já podemos olhar para trás sem conseguir ver o início da caminhada percebemos que aquela proposta seria sempre irrecusável. Difícil mas sempre irrecusável, principalmente pela altura da vida em que a interiorizamos.
No balanço que tentamos fazer em várias etapas da vida, metendo a mão na consciência sabemos que algumas vezes foi mais fácil que outras. E alturas houve em que nem conseguimos. Mas tentámos e tentamos fazer o melhor. Afinal, a proposta que é a vida nos faz é a proposta de tentar.
Foi exactamente isso que tentei fazer da minha vida. E servir como exemplo aos meus filhos e aos filhos deles.
Também eu e o Rui tentámos não magoar ninguém sem desistir do nosso amor. Foi inevitável fazê-lo. Nessas situações sai sempre alguém magoado.
Recordo que quando falei com o Sebastião sobre esse assunto o silêncio foi o pior dos castigos. Parecia que me tornara tão ruidosamente transparente que nem me via à sua frente, sentada expondo-me o mais francamente que conseguia.
Tempo de mudanças foram os que se seguiram. Tempos de surpresas também. Desagradáveis, muito desagradáveis.”

Mariana pegou na caneta e, retirando uma das folhas brancas da impressora começou por escrever “ Minha querida Amiga...”.
Foi mais um principiar entre as duas.