Escrever histórias 100 palavras

As histórias fazem parte do nosso universo, mesmo quando já somos crescidos por fora. Escrever histórias é uma das formas de conseguir sobreviver ao mundo dos crescidos. Helena Artur é o pseudónimo da Joana Quinta

sábado, maio 07, 2011

JUNHO



Este Maio que ela aguardou
lavado e quente
já despido da cor do Outono,
como um pano de linho branco,
não chegou.

Não trouxe consigo,
como os que ardiam na sua memória,
os frutos dourados
que ela arrumaria docemente
no cesto a um canto da sala.

Nem viriam desta vez
as neblinas das manhãs adormecidas,
a quietude das noites brancas,
o encontro esperado da onda na areia deserta
nem o silêncio a pulsar no verde dos pinhais.
O milagre da comunhão com a terra
não aconteceu.

Maio voou como um pássaro de asa ferida.
Em vez da onda veio o mar,
nos pinhais soprou um vento agreste
e as manhãs gelaram.
A comunhão não se deu.
Maio foi festa adiada.

Tirou do peito o que lhe pertencia
guardou-o na concha das suas mãos nuas
com tudo o que sentia
e deu-lho em troca.

Trocou Maio pela angústia
o certo pelo incerto
o sim pelo talvez.
Pousou-o delicadamente,
como um novelo,
nas palmas das mãos dele
e ofereceu-lho.

Não estava enfeitado com fitas ou laços
nem papel colorido
nem etiquetas de marca.
Trazia unicamente
a chuva miudinha
o chão molhado
as pinhas secas no chão.
Cheirava a mel e a figos,
a medronho e a romãs.
Cheirava à seiva da terra
e trazia vida dentro de si.

Retirou-se
e em silêncio
aguardou que um novo Maio chegasse
lavado e quente
antecedendo um mês de Junho.