Escrever histórias 100 palavras

As histórias fazem parte do nosso universo, mesmo quando já somos crescidos por fora. Escrever histórias é uma das formas de conseguir sobreviver ao mundo dos crescidos. Helena Artur é o pseudónimo da Joana Quinta

terça-feira, setembro 06, 2011

PASION





Há anos que se encontravam na escada. 
Saíam quase sempre à mesma hora, possivelmente a caminho dos empregos.

Ela geralmente apressada. 
Certos dias levava um saco vermelho com um nome gravado. Era de uma escola de dança. No ombro a mala a condizer com os sapatos de salto alto.
Ele descia mais calmamente parecendo contar os degraus da escada.
Os olhos cruzavam-se durante o cumprimento natural entre vizinhos. 
Quantas vezes terá sido esse encontro? Não sei, nenhum deles os contou. Talvez interiormente tivessem feito soma às sensações.

"- Bom dia!".
"- Olá, bom dia!".

Ele tinha olhos rasgados, escuros e parecia mais novo do que ela.
Durante o Inverno o sobretudo não deixava ver o que vestia, mas a cor do cachecol ia mudando de quando em vez. Chegou a usar chapéu que lhe dava um ar parisiense.
Ela tinha uma figura esbelta apesar de se perceber já ter passado dos 40; cabelos arruivados e as sardas na face conservavam-lhe uma cara de menina.

Nunca se cruzaram acompanhados durante as viagens pelos degraus acima e abaixo. Os olhares entrecruzavam-se sempre, cada vez durante mais tempo.

Em Agosto Madalena galgava os lances de escada com alguma pressa, como era costume, já bastante atrasada.
António estava à sua espera no último patamar da escada, mesmo ao virar do fim do corrimão.
Ela chocou contra ele. 
Ficaram frente a frente a lerem os olhos um do outro, cheirando o odor de cada um.

O saco vermelho caiu no chão e abraçaram-se. Primeiro sem pressa e depois com frenesim como se fossem amantes finalmente reencontrados.
O beijo entrelaçou-lhe línguas e mãos.

Depois, sorriram e disseram "- Até logo...!".