PASION
Há anos que se encontravam na escada.
Saíam quase sempre à mesma hora, possivelmente a caminho dos empregos.
Ela geralmente apressada.
Certos dias levava um saco vermelho com um nome gravado. Era de uma escola de dança. No ombro a mala a condizer com os sapatos de salto alto.
Ele descia mais calmamente parecendo contar os degraus da escada.
Os olhos cruzavam-se durante o cumprimento natural entre vizinhos.
Quantas vezes terá sido esse encontro? Não sei, nenhum deles os contou. Talvez interiormente tivessem feito soma às sensações.
"- Bom dia!".
"- Olá, bom dia!".
Ele tinha olhos rasgados, escuros e parecia mais novo do que ela.
Durante o Inverno o sobretudo não deixava ver o que vestia, mas a cor do cachecol ia mudando de quando em vez. Chegou a usar chapéu que lhe dava um ar parisiense.
Ela tinha uma figura esbelta apesar de se perceber já ter passado dos 40; cabelos arruivados e as sardas na face conservavam-lhe uma cara de menina.
Nunca se cruzaram acompanhados durante as viagens pelos degraus acima e abaixo. Os olhares entrecruzavam-se sempre, cada vez durante mais tempo.
Em Agosto Madalena galgava os lances de escada com alguma pressa, como era costume, já bastante atrasada.
António estava à sua espera no último patamar da escada, mesmo ao virar do fim do corrimão.
Ela chocou contra ele.
Ficaram frente a frente a lerem os olhos um do outro, cheirando o odor de cada um.
O saco vermelho caiu no chão e abraçaram-se. Primeiro sem pressa e depois com frenesim como se fossem amantes finalmente reencontrados.
O beijo entrelaçou-lhe línguas e mãos.
Depois, sorriram e disseram "- Até logo...!".
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