Escrever histórias 100 palavras

As histórias fazem parte do nosso universo, mesmo quando já somos crescidos por fora. Escrever histórias é uma das formas de conseguir sobreviver ao mundo dos crescidos. Helena Artur é o pseudónimo da Joana Quinta

segunda-feira, outubro 17, 2011

8883


Nunca pensei que o emprego me fosse tão difícil de suportar. Várias vezes passei em frente à tua secção, louco, asfixiado, esmagado por uma saudade que me retalha. A tua secretária vazia torturava-me, a ausência do teu olhar fitando-me fortemente por detrás dos vidros era-me insuportável.
Várias vezes liguei para tua casa sabendo que ninguém iria responder, mas o simples facto de saber que o telefone tocava junto dos teus objectos, perto dos teus móveis e da tua vida fazia-me chegar um pouco a ti. Pobre e triste consolação da verdade perdida no deserto que morde caules secos na esperança de encontrar água.
À tarde repeti o percurso que nos levou à separação, nesse dia em que tentei mostrar-me forte e desprendido, mas em que estive perto de soluçar quando nos separámos.
A Rua de D. Estefânia era a mesma, mas faltava tudo, faltavas tu;  procurei nos meus lábios o último vestígio do nosso beijo de adeus, sentindo-te sem te ter, pairavas em torno de mim e não podia segurar as tuas mãos nas minhas, como gostava de fazer.
Tive a sensação de estar louco ou embriagado, debatendo-me na angústia dessa saudade que não posso mitigar, numa separação brutal que não consigo vencer.

Tens razão, soubesse eu onde te encontras e correria para ti fosse onde fosse; afogar-me-ia nos teus braços, dar-te-ia uma torrente de beijos apaixonados demonstrando o meu amor. E como me senti um cego só por te não poder ver.
A ausência não me está a ajudar nada, antes pelo contrário, está a dar a solidez da pedra à minha paixão por ti.

Deixei de te ver há três dias e um anel suave e ao mesmo tempo louco calcifica-se, robustece-me, ganha a nitidez da rocha e a fúria selvática de amálgama contida.

Como irá ser quando te voltar a ver? Que força poderosa terei de encontrar para não te abraçar como um louco, seja onde for? O que terei de despedaçar para ir ao teu encontro?

Como vês não há nada de calma reflexão neste período; há sim um mar revolto que se debate tentando alcançar terra firme.
Não te aproximes amor, serias envolvida para todo o sempre num turbilhão arrebatador.

Vou deixar-te por hoje; vou calar tudo e aparentar o ser que não sou, a calma e a segurança que não tenho.
Adeus amor, até um dia.