Escrever histórias 100 palavras

As histórias fazem parte do nosso universo, mesmo quando já somos crescidos por fora. Escrever histórias é uma das formas de conseguir sobreviver ao mundo dos crescidos. Helena Artur é o pseudónimo da Joana Quinta

segunda-feira, setembro 04, 2006

BEIJOS (DES)ENCONTRADOS






Mariana parou o automóvel. Queria descansar um pouco.
Novamente aquela saudade. Mais uma viagem com kilómetros tão gastos de tão percorridos.
Até quando aquela espera para estar com quem se quer viver à espera do que há-de vir?- questionou à sua alma entristecida.

Deixou cair as mãos no colo, cansada por saber a vida tão curta.
Ninguém mais podia saber, com tanta certeza, o significado da palavra saudade.

Saudade feita continuação de si mesma. Feita frio sem agasalho, medo sem lâmpada para acender, fome sem boca, fado sem mágoas para cantar.

Certezas de saudades do futuro. Anseios pelo fruto não proibido mas impossível de ser tragado.
Saudades também chamadas conforto, procura da mão do outro. Também chamadas amor.

Abriu a carteira de pele bordeaux e retirou o seu telemóvel preto com dois grandes olhos azuis pintados na tampa. Virou-o. Em vermelho ainda se conseguia ler "Blue Eyes Forever".

Sorriu lembrando o dia em que o observara pintando no seu atelier.
Acabariam por pintar o telemóvel, brincando com as juras de amor no meio de tantas cores espalhadas pelo chão, pelas paredes e pelos sentimentos de ambos.

Os acrílicos acabaram jorrados no chão do atelier, as telas começadas continuariam inacabadas e a gabardine nova tornada ainda mais "fashion" com rabiscos coloridos marcados pelos traços sensuais do sexo cheio de um amor mais quente que a tarde.

Procurou a listagem das mensagens. Passou-as, uma a uma. Finalmente chegou até a uma datada de 1997.

Releu-a mais uma vez, apesar de a saber de cor:

"Parece que tudo pára quando partes:
os pássaros param de cantar,
o Pitas retoma o seu lugar à janela
e eu fico de mãos vazias e inúteis
à espera que esperes por mim.
Amo-te muito Mogli pequenina".

As mãos que tinham procurado alento no colo começaram a escrever uma missiva no telemóvel:
" Parece que tudo pára quando parto. Os pássaros param de cantar, os gatos deixam de dormiscar ao sol. Fico com as mãos cheias de nada e sem o teu corpo para moldar conforme os nossos segredos, esperando que esperes por mim até me dizeres para voltar ao meu lugar. Amo-te".

Enviou o sms e agarrou novamente o volante. Ainda tinha muita estrada pela frente.
O resto do mundo estava à sua espera.