Escrever histórias 100 palavras

As histórias fazem parte do nosso universo, mesmo quando já somos crescidos por fora. Escrever histórias é uma das formas de conseguir sobreviver ao mundo dos crescidos. Helena Artur é o pseudónimo da Joana Quinta

quinta-feira, outubro 19, 2006

O SOL DO MEU CÉU




Recebi ontem à noite uma carta em Braille.

Consigo ler, através dos meus dedos, os pontinhos espaçadamente arquitectados e cadencialmente intercalados, supondo que terão muitas palavras escritas.
É possível que traduzam sentimentos, descrições, relatos ou transacções bancárias, facturas, insultos ou declarações de amor, sentenças de morte ou pura e simplesmente um pedido de ajuda de quem é cego, cujos olhos não veem o mesmo que os teus.

Não sei se este envio foi um engano ou é uma campanha de marketing para chamar a atenção para a associação portuguesa dos deficientes visuais. Se é conseguiram sensibilizar-me muito mais do que suponham ou intencionavam.

O que seria de nós sem podermos ver tudo o que vemos todos os dias e nem damos conta? O que sentiríamos se nunca tivéssemos visto a luz? E o que seria de nós se, de um momento para o outro, essa luz se apagasse?
As cores, as formas, os movimentos, o belo e o horrível, as feições das pessoas amadas e as carantonhas de quem não gostamos. Os vultos dos indiferentes. O toque dos meus olhos nos teus.

Conservo nas mãos este papel sensibilizado com gravações tácteis, fecho os olhos e agradeço a Deus não ser totalmente cega.