Escrever histórias 100 palavras

As histórias fazem parte do nosso universo, mesmo quando já somos crescidos por fora. Escrever histórias é uma das formas de conseguir sobreviver ao mundo dos crescidos. Helena Artur é o pseudónimo da Joana Quinta

terça-feira, novembro 07, 2006

A TUA CIDADE


Vou contar-te uma história.
Desta vez é uma história para ti. Não serão todas?

Mesmo sem estar contigo a meu lado, mas ainda contigo no coração, fui à tua cidade no fim-de-semana passado.
Foi estranho não estares comigo na cidade que tão bem me habituei a conhecer através do sentido que dás aos teus sentidos.

Descobri o toque irreal que os sítios e as coisas tinham quando estavas comigo, descobrindo o seu sentido de um modo mais solitário.
Os sítios serão, certamente, os mesmos; os sabores e as temperaturas dos lugares também. Os cheiros e os aromas, o chilrear dos pássaros ao anoitecer e o som enovelado das rolas nos pinheiros estavam lá todos.

Mas no passado fim-de-semana até os pássaros chilrearam de forma diferente. Ou seriam os ouvidos do coração que eram outros?

Fui ao talho onde costumávamos comprar os bifes para os miúdos, passei na Bertrand onde encomendávamos os livros escolares, sentei-me no café da FNAC depois de namorar por ti os livros e os CD’s.
Comprei os croissants do costume cheios de açucar por cima na pastelaria do teu bairro. Comi por ti os doces que tanto gostavas e passeei a ver o mar, com um manto verde aos pés, feito de arbustos e plantas verdes que só aquele sítio da tua cidade tem.

Por fim, ao anoitecer, os pássaros começaram a barulheira dos chilreares nas árvores vizinhas à tua casa.
Recordo-me que um dia, perante a minha interrogação de tal fenómeno, inventaste que eles faziam tanto barulho por se debaterem ferozmente pelo melhor ramo de árvore para pernoitarem! Ri-me e fingi que acreditei.
Lembro que a mesma explicação me deste na Galiza quando, num dia quentíssimo de verão ao cair da tarde, estávamos sentados num dos claustros de um paradouro, e de um momento para o outro, os pássaros começaram a mesmíssima barulheira.
Deste-me exactamente a mesma explicação e rimos com essa história e com o alcool do vinho verde. Ali ficámos a olhar a copa das árvores vendo o esvoaçar mágico de tanta passarada! Ainda assim, não acreditei totalmente na tua explicação! Fingi só para te fazer feliz.

Hoje acredito que os pássaros fazem aquela algazarra toda ao fim do dia, seja inverno ou seja verão, no guerrear por um melhor ramo para passar a noite e para namorar. Afinal havia uma parte que desconhecias ou não me querias contar!

Nas árvores ao pé de tua casa, no fim-de-semana passado, eles fizeram o mesmo barulho de sempre.
Mas não bati à tua porta.
Deixaste-me os pássaros, os croissants e o mar com uma terrível saudade do nosso amanhecer na tua cidade.