Escrever histórias 100 palavras

As histórias fazem parte do nosso universo, mesmo quando já somos crescidos por fora. Escrever histórias é uma das formas de conseguir sobreviver ao mundo dos crescidos. Helena Artur é o pseudónimo da Joana Quinta

sexta-feira, maio 19, 2006

O ECO


A aprendizagem é mesmo assim... Será que é assim que crescemos?

Quantas vezes, ao longo dos anos, e das experiências que passámos juntos teremos aprendido algo valioso, sábio, surpreendentemente cheio de sabedoria, de amor, dádiva e serenidade,
paixão ou arrebatamento para só muito mais tarde conseguirmos perceber esse ensinamento que em nós ficou, qual embrião nidado em nós para um posterior entendimento da vida e do amor?
Não sei quantas vezes isso aconteceu.
Mas várias vezes, certamente.
Mas poucas foram as que as assinalámos.
Poucas as que realmente reparámos com consciência.
Muito provavelmente sentimos que algo se tinha passado mas não pensámos, não consciencializámos, apreendendo só latentemente.

Aprendi que entre as pessoas que realmente se amam, e em todos os “outros dois” do mundo, para aqueles que param para ouvirem o ser, o importante é o eco.
Existir eco é como estar tão em sintonia que o que um sente o outro pronuncia, o que um pensa o outro já fez, as feridas doem nos dois ao mesmo tempo e com a mesma intensidade.

Também aprendi que os gatos têm eco...têm alma.
Ter eco é ter alma.
Não andaremos todos à procura da nossa alma, como se a tivéssemos perdido à nascença?

O eco.
O eco é, muito provavelmente, um sinónimo de amor. De compreensão e partilha. De dádiva e entrega.
O eco é o que a maioria dos casais anseiam ser e não conseguem.
O eco é ser uma só pessoa. Caminhar num só sentido, lado a lado, sem ser preciso soltar palavras.
O eco é um só olhar, uma só mão, um só coração.
Eco é o que devíamos ser para o resto do mundo. Uns para os outros.

Aprendi mais uma palavra: ECO

segunda-feira, maio 15, 2006

O AMOR E A SUA CORRESPONDÊNCIA




A banalização do telemóvel criou a ilusão do objecto omnipresente. Numa posição de omnipresença, um objecto de paixão passou a ter a "obrigação" da resposta imediata a qualquer estímulo, sob pena de provocar o sofrimento do outro.A angústia da perda passou a estar associada a trivialidades - pode acontecer, vertiginosa, quando se esgotou uma bateria; ocorre quando o amor se passeia displicente em lugares sem rede; e pode disparar a níveis clínicos quando o objecto amoroso, usando um direito inalienável de autodeterminação, decide desligar o telemóvel.No amor, o telemóvel fez disparar o stress, a ansiedade, as angústias da rejeição e outras malaises de la civilisation. Um telemóvel desligado é uma providência cautelar para uma ruptura. Um presumível sintoma de infidelidade. Um fechar com a porta na cara. Um não, uma nega, uma tampa. O telemóvel é caro, mas o amor tende a minimizar o impacto económico das medidas a que, no auge da paixão, recorre. E depois há as sms, esse deslumbrante e mais económico instrumento de sedução, mas - também ele - uma grilheta dos amantes. Os segundos de resposta, os minutos, as horas, tudo é contabilizado para avaliar o impacto de um amor. Institucionalizados os novos rituais do enamoramento, não importa se o objecto costuma estar sequestrado na Biblioteca Nacional ou vive em audiências contínuas com díspares personalidades; se, por qualquer razão que o coração se esforça por desconhecer, não vive com o maldito computadorzinho na mão, em permanente disposição de disparar uma resposta irredutível.O mail tem um tempo mais distendido, se excluirmos as pessoas cuja profissão as obriga a estar permanentemente em frente do computador. Estas são ainda fustigadas com o monstro do messenger, que, de borla, obriga ao diálogo contínuo.Mas a minha amiga Vanessa, que num estado de paixão patético tem passado o último mês a escrever mails ridículos, sms ridículas e a contar os segundos da resposta, teve um destes dias um inesperado e surpreendente ataque de felicidade amoroso: recebeu uma carta. Um postal dos correios. Um envelope com selo e tudo. Quando abriu a caixa e viu que não eram só contas, ia desfalecendo. Uma carta. Uma carta? Sim, só um grande amor.


Ana Sá Lopes, DN 12.05.2006

quinta-feira, maio 04, 2006

MAIS UM POEMA



Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis
que alargámos de beijos quando eram outras horas
nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse
de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa
ser apenas mais um poema - como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu
tinha medo de me deitar só com a tua sombra.
Deixa que nos meus braços pousem então as aves (que, como eu,
trazem entre as penas a saudade de um verão carregado
de paixões) .
Maria do Rosário Pedreira
EMBARCAÇÃO


Acho que hoje vou ficar por aqui.
Tenho que reforçar as amarras,
e recolher as velas,
que o vento está muito grande
e faz perder o Norte…

...como diria o Luis um ano depois da morte da Silvia!