Escrever histórias 100 palavras

As histórias fazem parte do nosso universo, mesmo quando já somos crescidos por fora. Escrever histórias é uma das formas de conseguir sobreviver ao mundo dos crescidos. Helena Artur é o pseudónimo da Joana Quinta

sexta-feira, junho 22, 2012

RESPIRAR


Quantos poemas tem a vida?
Quantas histórias nela cabem sem se magoarem e
quantas dores amadurecem sem doer?
Por favor, aproxima-te,
chega-te à luz do candeeiro das palavras
e lê-me vagarosamente,
como se não houvesse pressa.
Nestes dias com chuva
também sou capaz de perceber
que do que se toca tão pouco ou nada
é já capaz de nos prender.
Velas acesas por mim, uma a uma, devagar,
levam-me até um lugar onde o ar se perde no céu. 

terça-feira, junho 19, 2012

97


Das ruínas de um afecto
onde nem sei se te escondes
retiras um sorriso.
Esforço teu,
tua frescura.
Olhar mágico para quem o saiba,
mas longe e ausente.
Longe da ternura, a revolta em ti não assumida
é como flor que não murcha,
mas sem beber água pura.
És pacto forçado com a vida.

sexta-feira, junho 15, 2012

SEM DESCULPAS



Como sobrevivemos?
Só nós o saberemos.
A tua espera salvou-nos.
Sobrevivemos porque soubémos esperar
como mais ninguém tinha amado antes.
RADIOGRAFIA


Querida,
Escrevo-te em poucas linhas, tudo o que vês nos nossos olhos.
Do passado só existe o nosso, não os nossos.
Do presente é o não estarmos. Não é justo nem possível, não conhecendo eu outra Mulher no mundo. Quero que contes comigo agora e sempre e, se quiseres ao meu lado.
Quero recomeçar a namorar-te como só contigo fiz. Quero sentir a tua pele na minha alma e o teu amor na minha pele.
Tenho tido a cobardia de esperar que tudo aconteça sem a minha intervenção. Não resultou.
Com os teus olhos nos meus olhos quero fazer de duas vidas, uma vida.


BELGAIS



Estive na Casa de Belgais desde fim de Maio com a Joana, filha da Maria João Pires, e com mais trinta corações dispostos a tentar o impossível: a recuperação daquele lugar mágico.
Continua a ser uma dor triste deparar com o desamparo e desinteresse existente neste país pela Cultura,  em obras e dádivas como a da Casa de Belgais. Certamente impossível não lembrar quando a Maria João Pires lá vivia, descansava  e trabalhava. Na época em que era palco onde tocavam e gravavam  músicos internacionais, se reuniam artistas e amigos, pernoitando por lá uns dias espalhados pelos inúmeros quartos daquela grande casa térrea.
Como diz o David acerca desta desolação: “ É o estado da Cultura por cá. Quando não se criam hábitos, quando a cultura não é um bem tão necessário como outro alimento qualquer, faz-se isto. Deixa-se estiolar e morrer. Depois vem o voluntariado: na alimentação, na saúde, no ensino, até a tapar buracos nas estradas municipais como já me aconteceu! (...) Mas os Homens estão-se a acabar. Agora há marionettes cujos interesses são bem mais rentáveis (para elas).. ”.
Os belos pianos de cauda lá continuam numa nostalgia serena, mudos e à espera, tapados com grandes panos tão escuros quanto eles.
Para qualquer lado por onde andemos sentimos ao nosso lado uma perda, um vazio, uma falta, apesar da musicalidade e mistério do lugar.
As várias alas da casa precisam de reparação e manutenção, mais umas que outras.
Tentámos a exterminação do caruncho que anda a comer as traves de madeira( aqueles lindos travejamentos!), reerguemos uns ateliers, caiámos as casas e construímos uma choça para guardar o tractor e alguma tralha velha.
Foi muito bom lá estar. O sítio é mágico na serenidade e tranquilidade, no mistério do campo, dos pássaros mais pequenos e  das aves de rapina, dos sapos, dos sons, dos cheiros e das cores.  Durante aqueles dias fiquei longe de qualquer outro lugar. E trouxe as saudades do campo. Por vezes o esforço era quase demais, pois aquelas terras são quentes, mas valeu a pena.
As trovoadas secas, próprias da região, refrescaram-nos com raros pingos de uma água morna. E até um arco-íris apareceu.
Dias inspiradores, de partilha, diálogo, tranquilidade e liberdade, em nós fica a gratidão pelo que partilhámos, pelo que construímos em conjunto, pela simplicidade e pelo amor.
Faz  falta o som do búzio para acordar às seis da manhã, para reunir para a janta, recolher para a sesta e para começarmos as tarefas...
Vá lá, toquemo-lo só mais uma vez para refrescar a memória.