BELGAIS
Estive na Casa de Belgais desde fim de Maio com a Joana,
filha da Maria João Pires, e com mais trinta corações dispostos a tentar o
impossível: a recuperação daquele lugar mágico.
Continua a ser uma dor triste deparar com o desamparo
e desinteresse existente neste país pela Cultura, em obras e dádivas como a da Casa de Belgais.
Certamente impossível não lembrar quando a Maria João Pires lá vivia, descansava
e trabalhava. Na época em que era palco onde tocavam e gravavam músicos internacionais, se reuniam artistas e amigos, pernoitando por lá uns dias espalhados pelos inúmeros quartos daquela grande
casa térrea.
Como diz o David acerca desta desolação: “ É o estado da Cultura por cá. Quando não se
criam hábitos, quando a cultura não é um bem tão necessário como outro alimento
qualquer, faz-se isto. Deixa-se estiolar e morrer. Depois vem o voluntariado:
na alimentação, na saúde, no ensino, até a tapar buracos nas estradas
municipais como já me aconteceu! (...) Mas os Homens estão-se a acabar. Agora
há marionettes cujos interesses são bem mais rentáveis (para elas).. ”.
Os belos pianos de cauda lá continuam numa
nostalgia serena, mudos e à espera, tapados com grandes panos tão escuros
quanto eles.
Para qualquer lado por onde andemos sentimos ao nosso lado
uma perda, um vazio, uma falta, apesar da musicalidade e mistério do lugar.
As várias alas da casa precisam de reparação e manutenção,
mais umas que outras.
Tentámos a exterminação do caruncho que anda a comer as
traves de madeira( aqueles lindos travejamentos!), reerguemos uns ateliers, caiámos as
casas e construímos uma choça para guardar o tractor e alguma tralha velha.
Foi muito bom lá estar. O sítio é mágico na serenidade e tranquilidade,
no mistério do campo, dos pássaros mais pequenos e das aves de rapina, dos sapos, dos sons, dos
cheiros e das cores. Durante aqueles
dias fiquei longe de qualquer outro lugar. E trouxe as saudades do campo. Por
vezes o esforço era quase demais, pois aquelas terras são quentes, mas valeu a
pena.
As trovoadas secas, próprias da região, refrescaram-nos com raros pingos de uma água morna. E até um arco-íris apareceu.
Dias inspiradores, de partilha, diálogo, tranquilidade e
liberdade, em nós fica a gratidão pelo que partilhámos, pelo que construímos em
conjunto, pela simplicidade e pelo amor.
Faz falta o som do búzio para acordar às seis da manhã, para
reunir para a janta, recolher para a sesta e para começarmos as tarefas...
Vá lá,
toquemo-lo só mais uma vez para refrescar a memória.