Solta-se a escrita como quem solta os cabelos apanhados por um espartilho durante o dia.
sexta-feira, setembro 30, 2011
RESPIRAR
Solta-se a escrita como quem solta os cabelos apanhados por um espartilho durante o dia.
Solta-se a escrita como quem solta os cabelos apanhados por um espartilho durante o dia.
Soltam-se os gritos como quem despe o vestido aprumado usado diariamente para ver sem ser vista.
Solta-se a alma de quem ama com as letras a decorarem as palavras e as frases,
como quem pinta um quadro ou desenha um monstro.
Um poema é um desenho sem sons.
quinta-feira, setembro 29, 2011
segunda-feira, setembro 26, 2011
COLAGEM
E se ontem fosse hoje, cada
palavra esquecida era dita
olhando-te pela janela dos vidros que partimos.
Relembro o que poderias dizer e colo-te na boca papel vermelho
remendado com cola arrancando o que me rasga as costas.
Redigo-te palavras carregadas de verdade se te disser que te amo.
E enquanto estremeço pensando na tua pele
e me perco sem a tua voz,
o meu corpo grita pelas tuas mãos.
Colo-te agora ou os vidros partidos rasgarão a tua pele para sempre.
Não te ouço, não te vejo, não te cheiro, não te sinto,
não te consigo colar vagueando pelo escuro.
Vagueando corto-me no vidro, há lágrimas que escorrem por amar cada vontade nossa.
Num dia chamado hoje vou cobrir-me
à espera das tuas palavras de despedida.
olhando-te pela janela dos vidros que partimos.
Relembro o que poderias dizer e colo-te na boca papel vermelho
remendado com cola arrancando o que me rasga as costas.
Redigo-te palavras carregadas de verdade se te disser que te amo.
E enquanto estremeço pensando na tua pele
e me perco sem a tua voz,
o meu corpo grita pelas tuas mãos.
Colo-te agora ou os vidros partidos rasgarão a tua pele para sempre.
Não te ouço, não te vejo, não te cheiro, não te sinto,
não te consigo colar vagueando pelo escuro.
Vagueando corto-me no vidro, há lágrimas que escorrem por amar cada vontade nossa.
Num dia chamado hoje vou cobrir-me
à espera das tuas palavras de despedida.
sexta-feira, setembro 23, 2011
23 SETEMBRO - 10h 05m
ou equinóceo do Outono
ou equinóceo do Outono
A pele branca contrastava com a luz anoitecida que entrava pela clarabóia.
Uma manta carmim, que mal te cobria a vergonha, resvalara desnudando-te as coxas arredondadas de mulher feita pelo amor tomado como seu.
Olhos semicerrados em que o sono vinha e ia por amares assim, ali, sem avisar, sem precisar, só porque sim.
Afastei-te os cabelos para te beijar a face afogueada.
Voltaste-te ao meu beijo agarrando-me os lábios com os dentes, de mansinho, com a meiguice que só tu tens quando está apaixonada e crente.
A manta ia resvalando para o chão devagar. Ficaste nua. Nua para mim mais uma vez.
Abraçámo-nos sabendo que chegaria um qualquer fim.
Enrolados um no outro ameaçámo-nos com carícias amedrontadamente numa dança do não e do sim, do deixo e não deixo que me trazia sempre louco de desejo.
Rendeste-te finalmente e eu também.
Ontem, como hoje, sabíamos haver um instante em que o sol cortaria o equador celeste e a noite seria igual ao dia.
domingo, setembro 18, 2011
MADRUGADA
No final das
palavras há o silêncio.
Depois das
palavras estendem-se sonhos, vontades e futuros. Traçam-se rumos certos em mapas
descobrindo um mundo desenhado.
- O mapa? Achei-o ali, na chuva desta manhã, onde ainda
se veem duas pegadas de água.
- Ainda é cedo, vem deitar-te.
Ela tamborila
com as almofadas dos pés pelo soalho fora até à cama, sorrindo.
Ele olha o
esvoaçar da queda do vestido.
Atira-se e ele
recebe-a.
Envelhecem os
dois, só de noite, embalados às escuras ao som do vento nos penhascos, das
sirenes, dos naufrágios, dos incêndios, dos gritos que teimam em não se afogar.
terça-feira, setembro 13, 2011
XX
( dedicado a quem partiu dia 9/9/2009)
Ajustou os óculos no nariz, inclinou-se para a chama e, na sua voz cantante de colegial, começou a ler, baixo, uma das cartas:
( dedicado a quem partiu dia 9/9/2009)
-"Minha querida" - leu - " a vida brinca connosco de uma forma maravilhosa. Não tenho mais nenhuma esperança senão ter-te encontrado a ti para sempre..."
Deixou de ler, pôs os óculos na testa e, com os olhos brilhantes, virou-se para mim, emocionada e em êxtase:
- Que cartas maravilhosas ele sabia escrever!
- Sim - disse eu. - Lê mais. Era um epistológrafo notável.
Mas o vento, aquele vento de finais de Setembro, que, até então, rondara, dissimulado, à volta da casa, arrancava, agora, as portadas da janela, agitava as cortinas e, como se trouxesse notícias de algures, tudo aflorava e removia no quarto. Então, extinguiu-se a chama da vela. É a última coisa de que me lembro. E, ainda vagamente, que Nunu fechou, depois, as janelas e adormeci.
(1938)
Sándor Márai in A herança de Eszter, 2006.
LUGAR NOVO
Desta varanda de parapeito feito de troncos de madeira
vejo o dia a acalmar-se.
Desta varanda de parapeito feito de troncos de madeira
vejo o dia a acalmar-se.
As árvores recolhem as asas com os pássaros lá dentro
só aqui ou ali um pio se ouve para lembrar que ainda não é noite.
Ao longe o mar também descansa da dor das ondas
embalando o fim do dia com um ressoar brandinho.
embalando o fim do dia com um ressoar brandinho.
Ali em baixo, no quintal, os miúdos já não brincam ruidosamente.
Tudo está de acordo,
tudo abranda para se apaziguar do dia solarengo e agitado.
De quando em vez uma pinha cai
assustando o mundo com um estalido.
Este lugar é novo, tem um acrescento de magia
que me apazigua a alma e o amargo.
Este lugar nunca foi antes meu,
nunca por mim tinha sido vivido
não sendo uma marca no mapa dos afectos.
A cama de baloiço pendurada entre dois pinheiros,
quieta como tudo em volta.
A bola azul abandonada a um canto do jardim
onde a relva fala dos que a pisaram
e a usaram ruidosa e inequivocamente com alegria.
Os últimos raios de um sol fugidio e cansado enrolam-se por entre os pinheiros
fazendo-se brilhar como se fossem a antecipação das estrelas da noite.
Aquelas que contarei, uma a uma, antes de adormecer.
Este lugar é novo, tem um acrescento de magia
que me apazigua a alma e o amargo.
Este lugar nunca foi antes meu,
nunca por mim tinha sido vivido
não sendo uma marca no mapa dos afectos.
A cama de baloiço pendurada entre dois pinheiros,
quieta como tudo em volta.
A bola azul abandonada a um canto do jardim
onde a relva fala dos que a pisaram
e a usaram ruidosa e inequivocamente com alegria.
Os últimos raios de um sol fugidio e cansado enrolam-se por entre os pinheiros
fazendo-se brilhar como se fossem a antecipação das estrelas da noite.
Aquelas que contarei, uma a uma, antes de adormecer.
domingo, setembro 11, 2011
11 DE SETEMBRO - 10 ANOS
Deixei o mundo lá fora e mergulhei fundo
na onda que se adiantava às outras.
O silêncio levou-me
num enlace acetinadamente confortável.
Lá em baixo é tudo mais claro e sereno.
Dez anos passaram à minha frente
como uma película a preto e branco...
Dia 11 de Setembro de 2001
Fomos avisados pela empregada.
Corremos para a televisão
e, de mãos dadas, olhávamos incrédulos o horror.
Não quisémos acreditar no que víamos.
Não era humanamente aceitável!
Com o peso daquelas imagens
e a saudade das distâncias
apanhei um taxi
e voltei com medo
para o mundo de violência em que vivia.
Emergi quase sem fôlego.
Voltei a ouvir o ruído de fundo do mundo
e das saudades.
Das ondas selvagens do mar do Guincho,
da mão que segurava o medo
do refúgio deixado debaixo do mar.
sábado, setembro 10, 2011
sexta-feira, setembro 09, 2011
SIGNIFICADO
Nunca chorou as suas partidas.
Durante muitos anos
o tempo foi marcado pelos fins de semana
e
dorido pelos domingos à tarde.
Raro era ela conseguir conter
a saudade antecipada e algumas lágrimas
no abraço ao portão, no beijo ainda quente
ou no adeus através do vidro do automóvel.
Mas ele nunca chorava.
Nunca entristecia.
Nunca entristecia.
Pelo
retrovisor via-o no meio da estrada
até
que o carro virasse na esquina
e desaparecesse.
e desaparecesse.
terça-feira, setembro 06, 2011
PASION
Há anos que se encontravam na escada.
Saíam quase sempre à mesma hora, possivelmente a caminho dos empregos.
Ela geralmente apressada.
Certos dias levava um saco vermelho com um nome gravado. Era de uma escola de dança. No ombro a mala a condizer com os sapatos de salto alto.
Ele descia mais calmamente parecendo contar os degraus da escada.
Os olhos cruzavam-se durante o cumprimento natural entre vizinhos.
Quantas vezes terá sido esse encontro? Não sei, nenhum deles os contou. Talvez interiormente tivessem feito soma às sensações.
"- Bom dia!".
"- Olá, bom dia!".
Ele tinha olhos rasgados, escuros e parecia mais novo do que ela.
Durante o Inverno o sobretudo não deixava ver o que vestia, mas a cor do cachecol ia mudando de quando em vez. Chegou a usar chapéu que lhe dava um ar parisiense.
Ela tinha uma figura esbelta apesar de se perceber já ter passado dos 40; cabelos arruivados e as sardas na face conservavam-lhe uma cara de menina.
Nunca se cruzaram acompanhados durante as viagens pelos degraus acima e abaixo. Os olhares entrecruzavam-se sempre, cada vez durante mais tempo.
Em Agosto Madalena galgava os lances de escada com alguma pressa, como era costume, já bastante atrasada.
António estava à sua espera no último patamar da escada, mesmo ao virar do fim do corrimão.
Ela chocou contra ele.
Ficaram frente a frente a lerem os olhos um do outro, cheirando o odor de cada um.
O saco vermelho caiu no chão e abraçaram-se. Primeiro sem pressa e depois com frenesim como se fossem amantes finalmente reencontrados.
O beijo entrelaçou-lhe línguas e mãos.
Depois, sorriram e disseram "- Até logo...!".
domingo, setembro 04, 2011
RENASCER
Tive vontade de me descoser por dentro,
escurtanhar as costuras das náuseas
que me rasgavam as entranhas,
vontade de desalinhar o meu reflexo no espelho.
De pegar na tesoura e zás, fazer-me outra, diferente,
com outras memórias, outros sentires.
Mas um outro dia chegou em que cortei o meu reflexo em mil pedaços.
Recolhi-os
e comecei a colá-los no espelho
à medida que os entendia.
Até me ter refeito e
(re)nascido do que não me deixava viver.