Escrever histórias 100 palavras

As histórias fazem parte do nosso universo, mesmo quando já somos crescidos por fora. Escrever histórias é uma das formas de conseguir sobreviver ao mundo dos crescidos. Helena Artur é o pseudónimo da Joana Quinta

quarta-feira, março 29, 2006

THINGS IMPOSSIBLE TO FORGET




As palavras têm peso,
têm alma e sabor.

De si mesmas vão falando
perguntando umas às outras
onde moras.

Soletro as palavras que leio,
ouvindo as palavras que penso.
Não me fogem as que vagueiam
com sentimentos alados.

As palavras são
como o abrir-se das portas,
os ferrolhos arrancados,
os cadeados partidos.

As manchas de tinta marcada
nas telas do que não vemos
ganham vida namorando as palavras coloridas.

As palavras têm peso,
cor e rimas, só às vezes.
Têm gestos prolongados,
longos, puros e bonitos
prontas para as fotografarmos.

Suam,
gemem, cantam baixo.
Fazem voos rasantes à vida
de cada um que as usa como um véu de casamento.

Amam os degraus das escadas
dos caminhos impossíveis,
das histórias contadas pelas bocas de quem sente.

As palavras têm peso.
São tão leves ou pesadas,
impossíveis de deixar ou
companheiros de estrada.

As palavras são o espelho,
o amor ou ilusão,
desilusão ou vergonha
de quem não disse que não.

Ou de quem disse o que disse
que alguém ouviu dizer
o peso que as palavras têm : dizem mesmo sem saber!

As palavras têm peso.
Têm alma e sabor.

sábado, março 25, 2006

PASSAGEIROS



















No fim de semana passado fui com os miúdos almoçar a um dos sítios mais bonitos de Cascais.
Imagina estar no cimo de um monte, onde podes rodar sobre ti mesmo 360 graus e tudo o que vês é azul e verde.
Azul do céu, azul e verde do mar; azul do céu e verde das copas das árvores que se espraiam aos teus pés num aconchegante chão verde.
E assim, avistando todas estas dádivas imensas, ali estivémos nós conversando, tagarelando, pondo e despondo do que seria ou não das nossas vidas, o que fizémos menos bem e muito mal, enfim, abraçando o tesouro que a vida nos deu: o amor.
A certa altura os miúdos- faça-se justiça, os adolescentes!- falavam de namoros e namoricos, curtes e coisas mais sérias, e chegámos à conclusão que podíamos considerar que a vida é como um comboio.
Um comboio? Estou mesmo a ver a tua cara de espanto!
Sim, um comboio. Com arranques e paragens, variaçõs de andamento - por vezes rápido, outras vezes nem tanto- paragens, umas forçadas outras premeditadas, e, finalmente a chegada a um destino.
Nenhum deles queria falar do destino, como é óbvio! Demasiado deprimente disseram!
Mas falámos das variadíssimas paragens nas várias estações onde entravam e saiam pessoas.
Dessas pessoas, desses sentimentos, dos acontecimentes recorrentes que compoem e fazem, por vezes desfazendo, a nossa vida.
Decididamente concluímos que as pessoas entram e saiem da nossa vida.
Ou entram e ficam até ao fim da viagem...ou saem umas paragens a seguir para apanharem outros comboios, com outras pessoas dentro, que por sua vez já vêm de outras paragens onde largaram outras carruagens....
A conversa girava e fervilhava.
As pessoas, os comboios, as dádivas, os sentimentos, o futuro.
Tantas coisas para pensar e viver na vida destes jovens! Tanta vida à frente, tantas paragens, tantas estações com magotes de pessoas para entrar!
Dentro do comboio as pessoas viajam com todas as dádivas da vida: a dádiva da escolha, a dádiva do amor, a dádiva da dor, a dádiva da morte, a dádiva da espera, a dádiva do prazer, a dádiva do errar e a de emendar a mão.
No restaurante, normalmente silencioso e calmo, gerou-se uma tal tertúlia que alguns dos clientes sorriam e cuidadosamente, alguns a medo, puseram-se a ouvir e até chegaram a dar palpites.
Foi muito engraçado. Encheu o coração de calor e de prazer.
Por fim, já estávamos na hora do lanche, e continuávamos a palrar que nem pintassilgos tontos.

Sabes, a conclusão a que chegámos foi a seguinte: independente de todas as outras considerações, a verdade é que as pessoas entram na nossa vida por acaso, pelo menos aparentemente. Mas não é por acaso que algumas delas permanecem.

Feliz aniversário

quinta-feira, março 16, 2006

FILHOS, CADILHOS E BOM SENSO



Todos nós, pais, acerca de um ou outro assunto/problema de uma das nossas crianças, já nos preocupámos imenso, corremos aos pediatras e psicólogos, perguntámos aos amigos e familiares - fazendo sempre aquela triagem do que achamos que não é exagero da nossa parte, mas que aos olhos alheios é disparatadamente e alucinantemente exagerado - até que um dia, cansados, angustiados e esgotados de tanta lide nos sentamos e, respirando fundo, aconselhamo-nos com o nosso bom senso ( que tinha ido viajar, sabe-se lá para onde). E relembramos o tempo em que éramos crianças. Nós e os nossos irmãos e os primos dos primos e os irmãos emprestados.
E as memórias fazem-nos antever o fim da crise ou do problema que até ali tanto nos trouxe insónia e ansiedade.

As memórias voltam a criar sensações como aquela tão reconfortante de estarmos na cama dos pais ( coisa proibida e invulgar) espantando a dor de ouvidos ou sacudindo os medos dos monstros que habitavam o nosso quarto.

Afinal, para que servem os pais senão para nos mimarem enquanto vamos crescendo até que eles desaparecem para sempre e passamos nós a ter o papel de pais?!

Nessa altura, quantos de nós já nos casámos, ou nos “juntámos”, para legitimarmos este desejo de dormirmos acompanhados? ...Continuarmos a espantar os monstros que habitam debaixo da cama e entre a roupa dos armários?!?

Acabamos por perceber que cada criança é uma criança, cada ser é único e que a mesma forma não serve para fazer todos os sapatos, porque todos os pés são diferentes!

Os nossos filhos, as nossas crianças são únicas, tal como nós. Não existem duas pessoas iguais interiormente. As receitas nunca poderão ser iguais, apesar do nossos amor por eles ser o mesmo e na mesma dosagem, tal qual antibiótico. Até a quantidade e forma como eles recebem esse amor é tão diferenciada que, por vezes, nos perguntamos se não teremos preferências inconscientes. Mas acredito que não. O receptor é que é sempre diferente e diferenciada a sua forma de captação do nosso amor.

Abençoados os filhos por nos tornarem pais; por nos fazerem crescer de forma por vezes tão penosa que nunca conseguiríamos terminar tal tarefa se eles não existissem.

Abençoados os pais que amam e cuidam, preocupam-se e zelam, velam e dão a mão.

Para pés diferentes, sapatos diferenciados e o mesmo amor!

sábado, março 04, 2006

PRIMAVERA ANTECIPADA



Vesti-me de Primavera, perfumando-me com odores de limão e alfazema colhidos no meu jardim. Adornei os meus cabelos com gemidos de prazer, perguntei-me aos meus desejos e banhei-me no vapor do teu perfume. Abracei o carmim das paredes do teu céu e calcei-me com pés azuis de quem não sente o cansaço. Refiz-me de madrugadas doces.

Só para te esperar.