Escrever histórias 100 palavras

As histórias fazem parte do nosso universo, mesmo quando já somos crescidos por fora. Escrever histórias é uma das formas de conseguir sobreviver ao mundo dos crescidos. Helena Artur é o pseudónimo da Joana Quinta

quarta-feira, novembro 29, 2006

Há um ano,
dia 29 de Novembro de 2005




Hoje morreu um homem
com a cabeça sobre o meu regaço.

Ali, tão perto de nós
e, por fim tão longe
na partida.

"já não está aqui"
"já o perdemos"
"já nada mais há a fazer"

Frases que todos ouvimos
mas que os nossos olhos, cruzando-se, continuavam a questionar.

Seria possível? Assim ? Então é assim?
Agora é, está... e logo depois já não é, já não está?...
Agora está e agora mais um segundo já não está?...
Que fio tão ténue.

Hoje morreu um homem
com a cabeça no meu regaço,
com o resto da sua vida entre as minhas mãos...
E nada pude fazer para a agarrar,
para lha devolver,
contrariando o inevitável.

Hoje morreu um homem,
com a cabeça no meu regaço.

Em vez de perfume,
senti que as minhas mãos tinham um pouco de vida,
um pouco de morte.
Quando as nossas mãos dão ajuda, amor, carinho
fica sempre um pouco de perfume nelas.
Quando elas são ineficazes na luta contra o inevitável
fica nas nossas mãos um pouco cheiro a quê?

Hoje morreu um homem
com a cabeça no meu regaço.
Quis Deus que fosse testemunha,
simplesmente testemunha,
da partida para uma viagem que é sempre solitária.

terça-feira, novembro 28, 2006

PULSAÇÃO


Quantos corações pulsam cá dentro de mim?
Sinto-me tantas outras diferentes de que sou neste momento.
Às vezes acordo sobressaltada a meio da noite e não sou eu. Sou outra.

Vultos e caras saltam do passado para a minha frente falando-me do que vivi. Lembrando-me do que deixei passar, por querer ou sem notar, e do que pensei guardar comigo.
Meu Deus, o que terei deixado cair pelo caminho e que, afinal, certamente valia tanto a pena! Ou não?!
E os vultos continuam a esvoaçar à minha frente falando-me de episódios que a minha memória já não conseguiria alcançar sozinha.
Para que relembre e volte a sentir uma das outras que fui, algures na minha vida.

Mas vou sempre dizendo baixinho o teu nome para te ressuscitar.
Para tentar trazer ao presente o nosso passado.
Para que não me torne passado estando tu ainda tão presente.

quinta-feira, novembro 16, 2006

MAGIA DO REINO DAS PRINCESAS (I)





"Era terça-feira de Carnaval.
Beatriz saiu apressada do apartamento dele.
Tinha já escurecido e estava atrasada para a chegada do seu filho.
Correu até ao carro estacionado do outro lado da rua reparando que o chão onde pisavam os seus pés estava molhado.
Tinha chovido? Não dera por isso.

Aliás, não dera por nada do que se passara no mundo durante aquelas quase cinco horas que passara com Jorge.
Enquanto conduzia até casa relembrou o que tinham descoberto um do outro, o que tinham falado, o que tinham feito das suas vidas durante umas horas.
Tinham dançado ao som de uma ou duas músicas, deixando-se levar ao mesmo tempo pela conversa e pela atracção. Olharam-se, sentiram-se com e sem palavras. Amaram-se com palavras com e sem letras.
E, por fim, o instinto tinha brincado com eles.
A razão não conseguiu impor-se ao apelo do afecto, também físico.

Passou a mão pelo cabelo e sentiu o cheiro dele na sua pele. Sorriu. Arrepiou-se ao lembrar o calor da sua pele estranhamente tão familiar. Tinha-lhe lido a pele.

Esperara por ele quase dois anos.
Lembrou-se do que sentiu ao vê-lo pela primeira vez e sorriu novamente.

Os brincos..? Tinham ficado ao lado do sofá, talvez no chão ou no tapete vermelho.
Sabia que ele os encontraria e os teria em posição de destaque quando fosse ter com ele novamente. Talvez na vitrine, talvez no travesseiro branco. Ou dentro da sua mão.

Já em casa. Depois do jantar recostou-se no sofá e deixou-se cair para o lado puxando os pés para cima. Agarrou a almofada como se tentasse reviver aquela tarde onde tinha amado e onde se tinha sentido amada.
As saudades empurraram-na para as recordações, para as saudades e para as dúvidas.
Lembrou-se das palavras sussurradas ao ouvido: “Querida...”
"Deixa-me tocar os teus pés, devagarinho. Subir a rampa das tuas pernas, amar-te ainda vestida..."

Meu Deus, tinha tanto medo de voltar a acreditar e voltar a sofrer! Mas já sentia tanto. Tanto que já não cabia dentro dela. Tanto que já não podia esconder nem de si mesma nem de ninguém.

Tudo aquilo só podia ter acontecido por magia.
A magia dos contos de princesas que contou vezes sem conta aos seus filhos e aos filhos do seu coração.
Tinha valido a pena tantas palavras mágicas, repetidas vezes sem conta! "


Esta pode ser parte da nossa história.
Uma histórioa de amor como nos livros e nos filmes?!
Gostas de mim? - pergunto-te eu em pensamento.
Imagino a tua imagem sorrindo e dizendo que sim, ao mesmo tempo que me amas com os olhos e me chamas querida.

É verdade que tenho o teu cheiro na minha pele e não quero perdê-lo.
Fazes-me falta e o teu cheiro faz-me companhia.
Lembra-me as tuas mãos suavizando a inquietude do meu corpo, tentando saber quem eu sou por fora para melhor me imaginares por dentro.

sexta-feira, novembro 10, 2006



ANDY




Os nossos carros estavam parados lado a lado num estacionamento em espinha, ali ao pé do Técnico – como costumávamos chamar ao Instituto Superior de Engenharia. Víamos a Fonte Luminosa do outro lado da Avª Almirante Reis. Foi no tempo em que ambos morávamos em Lisboa. Combinámos um encontro fora de casa para ser mais fácil, mais impessoal disseste-me pelo telefone quando perguntei a razão.
Tens de mostrar um ar normalizado, como os envelopes dos Correios, ia repetindo para mim própria no momento crucial em que me falaste de separação.

Que os pais isto, e que os amigos aquilo e que o teu início de carreira socialmente precisava de... e que e mais não sei o quê... só não me contaste a banal e trivial história de haver uma loirinha da tua idade, sem passado nem presente que pesasse no balancete de família. Devias ter-me dito, pois já desconfiava desde que a vi na piscina com o seu ar empertigado e snob.
Tinha percebido há algumas semanas atrás, tirando logo a prova dos nove com a resposta que deste, tranquilamente deitado na espreguiçadeira quando te disse que ela andava muito interessada em ti: “Não tem hipóteses nenhumas! Vê-se logo que é uma menina mimada à procura de marido rico para casar de papel passado. E nem é nada de jeito !”.
Pois mas era mesmo o molde certo para o sapato social do teu pé.

Lembro-me do estacionamento em espinha e da nossa grande diferença de idade. Para a época era um escândalo, sei-o bem.
Eras solteiríssimo, filho varão de uma família abastada francogermânica.
Eu uma mulher feita, com um bonito corpo de quem, ainda jovem já foi mãe. Divorciada e com uma filha pequena.
Estavas a tirar o estágio lá na empresa.
Tinhas 24 anos, eras loiro e os teus cabelos muito lisos e mais compridos que o normal para a época. Tinhas uma franja que achava sexy.

Um dia esfreguei a minha mão nos teus cabelos quando passava no corredor no meio das secretárias. Tinha 29 anos e sentia-me atraída por ti desde que começaste a estagiar no departamento. Reparei nos teus ombros, largos e robustos, nas tuas mãos masculinas e numa cicatriz na cara que demonstrava o teu desassossego.

Olhaste-me de soslaio e sorriste. Disseste que não tinha importância quando te pedi desculpa pelo atrevimento.
O resto da tarde foi completamente improdutivo para ambos.
Passámos pelas etapas todas a correr , até chegarmos ao sexo. Esse elo era, sem dúvida, o mais forte. A paixão e o envolvimento revolvia as nossas vidas ao ponto de querermos ultrapassar todas as barreiras e desafiar o mundo inteiro para permanecermos juntos.
Tinhas orgulho em mim. Quando entrávamos em discotecas, restaurantes ou bares não havia macho mais orgulhoso e mais possessivo que tu.
Eu, pelo meu lado, sentia-me muito amada e fingia não saber que o tempo e a tua família não nos iam ajudar.

Ríamos como uns doidos, perdidos do mundo que nos rodeava. Tudo era motivo de entusiasmo e brincadeira: lembro-me que alugaste por uns dias uma casa rústica que tinha lareira e que assámos as castanhas nas brasas que aqueciam os nossos corpos nus durante toda a noite. Foi num verão de São Martinho, em Novembro.
Um dia, ofereceste-me um anel comprado com o teu primeiro ordenado e embrulhaste-o de tal forma que tive de puxar por um cordel com vários metros de comprimento até conseguir tirá-lo da caixa.

O tempo ia passando e inventávamos novos modelos de vida a dois- neste caso a três contando com a minha pequenita. Não conseguia decidir-me entre o papel de jovem mãe e amante profissional. Na altura ainda não sabia que podia ser as duas coisas.
Cinto de ligas, lingerie francesa com folhos e penas de cores exuberantes. Meias pretas até meio da coxa, sapatos com salto de 8 cm e lençois de cetim na cama. Na minha cama porque nem sequer casa tinhas. Um dia fizémos amor no teu quarto em casa dos teus pais! E tirámos fotografias como troféu de o ter feito em casa das feras!

Chamava-te Andy e desenhava-te mentalmente quando não te tinha. Curiosamente foi nos teus braços que aprendi o sabor do erotismo e o prazer de ver o corpo de um homem. Descobrimos juntos muito nesses mundos interiores, das fantasias e dos fetiches, mais do que algum dia tínhamos sonhado ou ousado anteriormente.

Os carros estavam parados lado a lado em espinha. Cerrei os punhos com força e tentei esboçar um sorriso. Até hoje não sei se consegui ou não. Foste irredutível. Querias casar pela igreja, querias uma família, também havia a herança dos pais e ... o casamento tinha de ser com alguém que também começasse do zero, sem filhos, imaculada. Querias ter filhos e uma família sem mácula. Divórcios eram sempre mal vistos na família e na sociedade.
Engraçado, pela primeira vez falaste que estavas inserido numa sociedade e que não podias fugir das suas regras. Serias deserdado e não aceite como sócio do alemão amigo do teu pai. Fiquei silenciosa só falando interiormente que naquele momento não podia ser, não podia chorar nem fraquejar. Talvez quando entrasse no carro...ou já em casa, mas ali não. Tinha de fazer um esforço, tentar sorrir mesmo que tristemente, mas tinha de ser como nos filmes. Sem choros explosivos e demonstrações de fraqueza. Balbuciei algo mas não me lembro. Nada de importante ou relevante o que quer que tenha sido.
Talvez algo sobre a minha filha e como era importante ou que não entendia o porquê de tal afastamento...e mais uma série de tentativas vãs para amortecer tal queda. Uma queda de um salto que tinha durado quase quatro anos.

Sentei-me no carro e agarraste a porta antes que a conseguisse fechar.
“Encontrarás alguém à tua altura, meu amor. És uma mulher lindíssima, podem dar-te o mundo inteiro e tu mereces mais do que um rapaz em início de vida te pode dar”.
Afinal eu só queria tê-lo sem pensarmos no dia seguinte. O que importava o futuro com um amor daqueles? Nada!
Sabia que estavas a dizer muitas coisas ao lado da cruel realidade só para que não chorasse tornando a despedida mais dolorosa.
Cerrei os punhos e tentei lançar-te um último sorriso.
“Adeus, Andy. Vêmo-nos por aí.”

Fiz marcha atrás e não me recordo de ter chegado a casa. Chorei a noite toda sentindo-me completamente infeliz e injustiçada.
Pensei que nunca mais iria apaixonar-me assim.

Durante muito tempo não frequentei os sítios do costume. E deixei de saber de ti. As minhas amigas sabiam que não deviam perguntar nada arriscando-se a verem-me chorar copiosamente.
Lembro-me de te ter visto uns anos mais tarde num restaurante ao pé da Boca do Inferno em Cascais. Continuavas bonito, com dois filhos pequenos loiros e com uma carrinha Mercedes à porta. Pensei o quanto me tinha custado não chorar na despedida e que tinhas conseguido o que querias da vida.
Levantaste-te e enquanto vinhas na minha direcção despiste-me com os olhos. O teu beijo foi caloroso. Trocámos palavras banais e convidaste-me a sentar na tua mesa. Perante a minha negativa pediste-me o número de telemóvel e disseste como seria bom encontrarmo-nos. Dei-te o número errado. Já não me chegaria encontros furtivos às escondidas; já não bastava o teu másculo corpo na minha cama. A confiança tinha ficado partida naquele estacionamento em espinha. E agora já seria essencial para poder amar-te.

quinta-feira, novembro 09, 2006


ALGURES, ALGUÉM




Naquela noite as portas grandes da cidade de Graytar não se abririam até de madrugada.
Todos seriam, mais uma vez, realmente livres por uma noite
Não participariam em festas nem orações, nem teriam pecados para confessar. Não seriam oferecidos os corações dos amantes em sacrifício.
Aury voltara finalmente a sentir o seu coração bater. Voltara a senti-lo bater descompassado tentando acertar-se com o dos outros. Tentando acertar-se com o tempero da vida e com o da razão.

"A maior dor não é não ser amado. É não conseguir amar"- estas as palavras gravadas na placa de mármore à entrada da cidade.

Na cidade de Graytar seria sempre um sacrilégio não se saber amar, não ter a capacidade de amar verdadeiramente alguém. Todos seriam castigados por isso se alguém houvesse nessas condições.
Aury não se permitia amar. Não conseguia sentir amor ou paixão ou, sequer, desejo por ninguém.
Chegou um dia em que o seu desgosto não teve mais guarita quando Stira lhe agarrou o braço e lhe cheirou a face com um beijo.

Até hoje as portas da cidade de Graytar continuam fechadas nas noites de céu estrelado.
Ninguém mais sofreu castigos.

terça-feira, novembro 07, 2006

A TUA CIDADE


Vou contar-te uma história.
Desta vez é uma história para ti. Não serão todas?

Mesmo sem estar contigo a meu lado, mas ainda contigo no coração, fui à tua cidade no fim-de-semana passado.
Foi estranho não estares comigo na cidade que tão bem me habituei a conhecer através do sentido que dás aos teus sentidos.

Descobri o toque irreal que os sítios e as coisas tinham quando estavas comigo, descobrindo o seu sentido de um modo mais solitário.
Os sítios serão, certamente, os mesmos; os sabores e as temperaturas dos lugares também. Os cheiros e os aromas, o chilrear dos pássaros ao anoitecer e o som enovelado das rolas nos pinheiros estavam lá todos.

Mas no passado fim-de-semana até os pássaros chilrearam de forma diferente. Ou seriam os ouvidos do coração que eram outros?

Fui ao talho onde costumávamos comprar os bifes para os miúdos, passei na Bertrand onde encomendávamos os livros escolares, sentei-me no café da FNAC depois de namorar por ti os livros e os CD’s.
Comprei os croissants do costume cheios de açucar por cima na pastelaria do teu bairro. Comi por ti os doces que tanto gostavas e passeei a ver o mar, com um manto verde aos pés, feito de arbustos e plantas verdes que só aquele sítio da tua cidade tem.

Por fim, ao anoitecer, os pássaros começaram a barulheira dos chilreares nas árvores vizinhas à tua casa.
Recordo-me que um dia, perante a minha interrogação de tal fenómeno, inventaste que eles faziam tanto barulho por se debaterem ferozmente pelo melhor ramo de árvore para pernoitarem! Ri-me e fingi que acreditei.
Lembro que a mesma explicação me deste na Galiza quando, num dia quentíssimo de verão ao cair da tarde, estávamos sentados num dos claustros de um paradouro, e de um momento para o outro, os pássaros começaram a mesmíssima barulheira.
Deste-me exactamente a mesma explicação e rimos com essa história e com o alcool do vinho verde. Ali ficámos a olhar a copa das árvores vendo o esvoaçar mágico de tanta passarada! Ainda assim, não acreditei totalmente na tua explicação! Fingi só para te fazer feliz.

Hoje acredito que os pássaros fazem aquela algazarra toda ao fim do dia, seja inverno ou seja verão, no guerrear por um melhor ramo para passar a noite e para namorar. Afinal havia uma parte que desconhecias ou não me querias contar!

Nas árvores ao pé de tua casa, no fim-de-semana passado, eles fizeram o mesmo barulho de sempre.
Mas não bati à tua porta.
Deixaste-me os pássaros, os croissants e o mar com uma terrível saudade do nosso amanhecer na tua cidade.

domingo, novembro 05, 2006

ASSIM COMO AS HISTÓRIAS TÊM UM FIM,
O AMOR , OS FILHOS E A VIDA TAMBÉM



Um fim é sempre mais um.
Há fins infinitos dentro de outros fins.
O fim de semana, o fim da vida,
o fim do fundo.
O fim do gelado e o fim dum projecto.

Dos amores
e desamores também.
O fim do mundo.

Fim é a palavra certa
para nos dizer que estamos vivos.
Que há curtos fins de
compridas histórias
com fins felizes e
desfechos com lágrimas.
Os fins
levam as pessoas a começarem coisas.
A teimarem em amar-se outra vez.
A empreenderem viagens novas
com fins já sabidos ou calculados à partida
com a chegada ao fim.




quarta-feira, novembro 01, 2006

DIFERENÇAS


O tempo move-se hoje mais lento
que ontem

Move-se lentamente
e sem palavras

Para pensarmos sobre o que ficou
entre o ontem e o amanhã