Escrever histórias 100 palavras

As histórias fazem parte do nosso universo, mesmo quando já somos crescidos por fora. Escrever histórias é uma das formas de conseguir sobreviver ao mundo dos crescidos. Helena Artur é o pseudónimo da Joana Quinta

sexta-feira, janeiro 25, 2008

JANEIRO EM PARIS



Esperava-te. Já eram horas, mas tardavas. Talvez a surpresa fosse para mim caso tivesses saído mais cedo do emprego! Afinal, era o dia do teu aniversário e podias ter sido dispensada.

Continuei à espera até que a luz da escada do prédio se acendeu dando luz à minha já ténue esperança.

Vinhas com o teu chapéu parisiense para que os cabelos fugissem da chuva que caída de mansinho. Estava escuro. Nasceste em Janeiro e às sete da tarde é já noite cerrada por essa altura do ano. Mas os teus olhos claros continuavam a brilhar como dois faróis na minha escuridão deprimida e amarfanhada pelos tempos e solidões.


- Olá, boa tarde!...Parabéns!

Deste-me um beijo na face destroçando a esperança que tinha dos teus lábios.


- Por aqui? Obrigada...não te esqueceste? Não devias ter-te incomodado, ainda por cima foste gastar dinheiro!- respondeste-me sorrindo ao mesmo tempo que te entreguei um presente embrulhado em papel verde água com flores pretas e miudinhas lembrando desenhos orientais.


- Espero que gostes...eu gostei muito, embora saiba que com o meu daltonismo possa ter errado na cor que tu preferes. Queres jantar comigo? Podíamos ir ao "chinês" perto de tua casa... - perguntei-te.


- Obrigada, obrigada és muito querido...mas não posso...verdadeiramente não posso. Mas pode ser amanhã? - disseste-me sem justificar o motivo que não te deixava a noite livre. Sei que não me devias qualquer explicação.

Pensei quantas vezes terias batido, em vão, à porta do meu apartamento tentando surpreender-me sem eu lá estar. E nunca te expliquei onde tinha ido nem com quem. Mas podia tê-lo feito. Podia ter-te dito tudo. Talvez compreendesses que a minha cama estava por estriar, à tua espera, à espera do teu corpo e do teu amor. E que, por isso, saía dormindo fora.


-Está bem...mas já não vai ser no dia do teu aniversário. Tenho pena. Telefono-te amanhã? À hora de almoço?

Acenaste afirmativamente com o sorriso que um dia pensei só meu. Um sorriso único quando olhavas para mim.

Afastaste-te. Atravessaste a rua com o teu passo calmo mas firme voltando-te uma última vez. Mandaste-me um beijo e lá continuaste embrulhada no casacão invernoso e com o teu chapéu parisiense. Quero lembrar-te sempre assim. Quero que o tempo pare esse momento e quero guardar esse instante no meu canto mais redondo para não ferir as cores do teu retrato. O retrato que tenho de ti no dia do teu aniversário.