Escrever histórias 100 palavras

As histórias fazem parte do nosso universo, mesmo quando já somos crescidos por fora. Escrever histórias é uma das formas de conseguir sobreviver ao mundo dos crescidos. Helena Artur é o pseudónimo da Joana Quinta

segunda-feira, dezembro 25, 2006

CHRISTMAS BLUES




(mensagem de Natal recebida que pode ser os meus votos natalícios para todos)

Querida

O Senhor Jesus não é apenas aquele que veio na humildade da natureza humana, nem apenas aquele que de novo há-de vir, no esplendor da sua glória, mas também aquele que agora vem ao nosso encontro...
É importante que nesta quadra natalícia não nos deixemos ofuscar pelas luzes e pelos presentes...Natal significa muito mais, significa nascimento...mesmo para os que não acreditam em Deus.
Todos sabemos que Jesus não nasceu dia 25 de Dezembro, a Igreja católica celebra o seu nascimento neste dia pois a partir de 25 de Dezembro os dias são maiores, há mais luz..é uma metáfora.
Assim o importante neste advento é preparar o nosso coração para o encontro com Jesus, todos os dias.
Para si desejo tudo de bom, um crescimento continuo e cheio de realizações mas sobretudo que possa também " nascer" neste Natal, que o Natal aconteça ao longo da sua vida como sinónimo de luz, de sabedoria e caridade ( amor).
Mais uma vez obrigado por tratar tão bem de mim...será sempre uma referência na minha vida.

Um santo Natal.

um beijo da sua amiga

P.

quinta-feira, dezembro 21, 2006

ESFERAS ETERNAMENTE FEMININAS




Culpa? Mas que culpa?
Nestas coisas do coração não há culpa, culpados ou vítimas.
Começa-se sempre pelo início e algo acontece. E vai acontecendo, desenrolando-se ou enrolando-se.
Há as pazes e as brigas. Os amores e os desamores. A confiança e o desmoronar das construções ora fortes como castelos ora frageís como penas.

Fisioterapeuta de profissão e de coração Filipa era uma rapariga alta, constituição óssea larga, mas muito torneada. Morena de pele e cor de cabelo, tinha os olhos pretos como azeitonas.
Desde cedo que a actividade física fizera parte do seu quotidiano. Passou pelo ballet quando menina, continuou na ginástica aplicada e foi no judo que conheceu o Paulo por quem se apaixonou.
Sem nunca ter coragem de reconhecer perante ele que sonhava com uma relação séria, com princípio, meio e fim, deixou-se levar por ele e pelo tempo só para não o perder.

Passados dois anos esse relacionamento não a fazia feliz, mas preenchia-lhe alguns momentos de felicidade roubados à vida que Paulo, esse sim, tinha para com ele e os outros.

Filipa engravidou e Paulo não aceitou que a gravidez fosse levada até ao fim. Insistiu para que Filipa fizesse um aborto, disse-lhe que iria estar sempre a seu lado e todas aquelas coisas que ela não queria ouvir. Só queria ter ouvido uma palavra, uma frase que afirmativamente lhe dissesse o quanto o faria feliz ter um filho dela.
Foram tempos difíceis aqueles. Lembro-me bem as vezes sem conta que o meu telefone tocou de madrugada. Do outro lado da linha Filipa lavada em lágrimas era o espelho da indecisão, do medo e da dúvida.

Sei que abortou e que a relação com o Paulo acabou, inevitavelmente. O seu desamor tinha sido mostrado em letras maiúsculas. Nem mesmo Filipa, e a sua obsessão por Paulo, podia continuar a fingir-se cega perante tal atitude.

O tempo foi passando e, apesar de morarmos bem perto, perdi-lhe o rasto.
Os postais de Natal vieram invariavelmente devolvidos durante dois anos. Tentei através de um número de telefone da mãe dela saber do seu paradeiro, mas a única pista foi-me dada, por acaso, um dia num supermercado de Lisboa.

Quase não o reconhecendo fiquei atrás de António na fila da charcutaria. António tinha sido colega da Filipa no instituto de fisioterapia. Tinham trabalhado juntos e sabia-os de algum modo íntimos durante algum tempo, enquanto o caso não chegou aos ouvidos da mulher dele.
António virou-se e sorriu.
“- Há quanto tempo! O que é feito de ti ?”- exclamou beijando-me.
“- Tudo bem. E contigo?” - perguntei.
Após breve troca de cortesias perguntei-lhe se sabia do paradeiro da Filipa.
Comecei, então, a ouvir contar uma história que, confesso, de início me pareceu pura invenção. Despedi-me e durante dias não me saiu da cabeça aquela confusão que ouvira em torno da vida da minha amiga.

De seguida, e já na posse de alguns elementos fundamentais, tornei a contactar a mãe dela e encontrámo-nos para tomar um café.

“- A Filipa ficou muito mal após o aborto, tu sabes!"- confessou-me baixinho, olhando tristemente para a chávena já vazia.
“- Sim, eu sei que aquele filho era desejado por ela. Ela amava muito o Paulo...desde miúda...mas ele nunca soube amá-la ou sequer entender o que estava a receber da parte dela!”- retorqui.
“- Pois. Teve uma depressão enorme e começou a emagrecer imenso, primeiro pela doença e depois por vontade própria...como se ela culpasse o seu corpo do desamor de Paulo. Sabes, são processos inconscientes, mas que estão dentro das pessoas e que são muito complicados de ultrapassar.”
“- Sim eu sei, mas por que razão ela se afastou ?”-
perguntei tentando entender.
“- De ti e de todos. Até de mim!”- disse entristecida.
“- Conheceu uma médica... a quem fez ginástica respiratória como fisioterapeuta que era e... olha, acabou por ficar a viver lá em casa dela! Deixou a casa e mudou-se definitivamente.”- disse aos repelões, como se quisesse afastar um mal que lhe acontecera.
“- Sim, que se mudou eu sei porque os postais que lhe mandei vieram sempre devolvidos!”- respondi ficando à espera de saber o que se passara com a minha amiga.
“- Foram as duas para França durante dois anos e agora vivem cá e lá. Estão bem as duas...sabes...percebes o que te digo, não?”- disse brincando com a colher dentro da chávena vazia, sem conseguir olhar para mim.
“- Sim, percebo, não tem mal algum...Gostam uma da outra, é isso? E por esse motivo afastaram-se de todos? Por medo que não aceitássemos a sua homosexualidade?...Que tontaria. Ninguém tem nada com isso. Elas têm de procurar a sua própria felicidade.”- acrescentei.


Passado cerca de um ano estava dentro do carro, parada no meio do trânsito desta cidade caótica que é Lisboa e vejo alguém que parecia a Filipa. O seu nariz adunco era inconfundível, mesmo que o corpo estivesse completamente diferente. Magro, sem vida e sem a sua habitual vivacidade.
Buzinei, apitei várias vezes, mas nada.

Estava loira. Loiríssima, como se o tivesse feito com o propósito de mudar a identidade. Magríssima, parecia outra pessoa. Óculos escuros a esconderem olhos e alma, andava apressadamente.
Buzinei mais uma vez e, como os carros continuavam parados apesar do semáforo ter passado a verde, saí do carro e abordei-a.
Os seus olhos encontraram os meus quando lhe agarrei o braço e sussurrei o seu nome. Ficámos paradas uns segundos. Disse-lhe para esperar um pouco enquanto arrumava o carro. Ficou sem reacção alguma, parada, como se fosse uma estátua revivendo o que tinha esquecido.

Corri para junto dela, dei-lhe o braço e levei-a até à esplanada mais próxima. Ficámos sentadas cara a cara.
"-Então, vai contar-me ou não?"- perguntei-lhe directamente.

Falámos durante horas. Um pouco de nada e mais um tanto de quase tudo. De nós, de sentimentos e de afectos.
Afinal, Filipa não se afastara por amar outra mulher. Filipa ainda se desgostava por não ter tido coragem de não abortar.
Por ter morto a esperança que é ter um filho, independentemente de quem é o pai. Por não ter entendido a tempo que quem é importante é o filho e não o pai. Que os filhos serão sempre nossos filhos com ou sem distâncias e mágoas, e os pais podem ficar ou não com a certeza que as mágoas passam.
E por viver sem esperança não conseguiu enfrentar mais os amigos e a família.
A sua companheira tinha sobrinhos e netos e Filipa tinha-os “adoptado” fazendo deles filhos do seu coração.

Não me deu a sua nova direcção, nem de Portugal nem em França. Fiquei com um sentimento forrado a vazio embora tivesse sido bom reencontrá-la e reencontrar o nosso passado tão cheio de cumplicidades.
Não esqueço o que me disse quando entrava para o carro: “ Repare que já tenho 45 anos...nunca saberei o que é ter um filho. Entende que a minha vida mudou desde então? Consegue entender-me?”.
Acenei-lhe afirmativamente.
“- Boa sorte, escreve-me sim? Felicidades... Os filhos do coração não são menos que os outros...é amor, empenho, afecto, as raízes e as referências são importantes... Escreve-mmmeee...”-gritei-lhe já com o carro em andamento.

Culpa? Mas que culpa? Nestas coisas do coração não há culpa, culpados ou vítimas.
Afinal há vítimas, sim.
Dou comigo à procura da Filipa, inconscientemente, olhando cada vez que páro o carro num dos semáforos perto da Avª de Roma onde a encontrei da última vez.
Tanto que me esqueci de lhe dizer naquela tarde!
O quanto lamento, o quanto entendo, o quanto não julgo, o quanto gostaria que me tivesse contactado quando precisava de ajuda.
Contar-lhe-ia o que sente uma mulher que engravida e que por um forte motivo aborta, que só ela e mais ninguém poderá carregar esse filho ou essa perda.
Terei oportunidade de lhe dizer?
Quando nos encontraremos outra vez?

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Violência Doméstica: 37 mulheres mortas em Portugal num ano.
Entre Novembro de 2005 e o mesmo mês deste ano morreram em Portugal 37 mulheres vítimas de violência doméstica.



TAMBÉM COMIGO

Nunca serei capaz de poeticamente narrar este horror.
Um desespero que faz parte da vida de todos os dias. Exala para dentro da nossa casa os gritos e os estrondos do 3º andar do teu prédio, do prédio em frente, do andar de cima lá do escritório. Dos ruídos e rugidos fantasmagóricos por detrás das paredes ao cair da tarde, aos fins-de-semana e pela madrugada fora.
Que existe na família da Cila, da Elsa, da D. Marília, da Srª Engª Margarida e da Arquitecta Catarina... e da cunhada da tia da prima dela.
Que é físico, emocional e psicológico...que se cobre com as cores da dor, da vergonha, da falta de meios e de coragem.
Que faz parte de um universo ao qual erradamente pensamos não pertencer.
Que existe com muito pouca decência mas que mata a todos os níveis. Que é insuportável para a vida.
Nunca serei capaz de poeticamente dizer da prisão que este trauma cria dentro das próprias mulheres.
Da questão cultural, da questão educacional, da falta de apoio social, da questão de respeito pelo ser humano.
Poeticamente não é possível contar, escrever, narrar, comunicar algo que é poeticamente incomunicável.
As palavras poderiam ser usadas, as frases poeticamente construídas, as tentativas feitas. Mas a conspurcação seria tal que a poesia mascarar-se-ia de uma outra qualquer coisa por vergonha.
Também por isso é impossível contar como foi, como realmente é, o que realmente é sofrido, sentido, desesperadamente calado ou inconsequentemente gritado.
Não é possível falar poeticamente do que realmente se vive.
Não é possível falar do que os homens também são capazes.

terça-feira, dezembro 05, 2006

ALICE



O amor faz com que olhemos o mundo do alto de uma árvore, dizia-me ontem a minha amiga Alice enquanto nos deliciávamos com uns scones quentinhos.
“- Árvore essa sempre maior que tudo o resto...enquanto amamos. O amor faz as árvores crescerem. Sem ele as árvores nunca tocariam o céu!”
Escreveu qualquer coisa num papel pequenino, com letras redondas mas miudinhas, dobrou-o ao meio e discretamente meteu-o no bolso.
“- É para pôr debaixo da almofada do António, logo à noite, antes dele se deitar!" - justificou-se.
Achei-lhe graça. Tinha ainda olhos de quem ama e acredita que tudo pode ser possível. Se não for à primeira, tenta-se uma segunda ou uma terceira vez. Olhos de uma cor incerta mas com a certeza que só o amor consegue dar.
Dizia assim o manuscrito:

“Amor,

quando acredito que me amas
a árvore à qual pertence o ramo
onde estás sentado de mão dada comigo
cresce tanto que passamos a ver o mundo do lado do céu.
Quando deixas de me amar
a árvore nunca o toca.
Amo-te e sinto muito a tua falta. Adorei o almoço.”

Alice é mesmo assim quando ama. Sempre foi. Sempre a conheci assim.

domingo, dezembro 03, 2006

APESAR DE,
MESMO SE...





"Dance as though no one is watching you,
Love as though you have never been hurt before,

Sing as though no one can hear you,

Live as though heaven is on earth"

(autor desconhecido)

P E D A Ç O


Alturas houve em que tive a certeza de ter tocado o céu.
Há muito que não o toco.
Que tristeza, assim não tem graça.
Tenho tirado os pés do chão, sim...
Ficando em biquinhos de pés, saltando em seguida…
Tirei os pés do chão.
Tão somente isso.
Mas nunca mais toquei o céu.