Escrever histórias 100 palavras

As histórias fazem parte do nosso universo, mesmo quando já somos crescidos por fora. Escrever histórias é uma das formas de conseguir sobreviver ao mundo dos crescidos. Helena Artur é o pseudónimo da Joana Quinta

terça-feira, junho 21, 2011

MAR IMENSO



Não revisites os nossos sítios,
os lugares das nossas viagens.
Não o faças, por favor,
não tornes a fazê-lo.
Há tantos outros caminhos para percorrer
onde não há rastos, como no mar,
onde nos cruzamos e tornamos a cruzar.
Apanhamos um ou outro barco, uma ou outra onda
e nem por isso deixamos rasto.
Não vás lá não, não vás!
Constrói uma outra vida
com quem agora povoa a tua,
mas não decalques a nossa
em papel vegetal
por cima de um mapa guardado.
Os caminhos das nossas mãos
dentro do mar onde partilhámos estradas
não serão traçados da mesma forma.
Depois de nós desapareceram.
Inventa outros
enquanto desenhas novos afectos.

segunda-feira, junho 13, 2011

CONJUGAR O VERBO IR


Nas várias vezes em que te ajudei nas fragilidades físicas contra as quais lutaste até ao fim da vida existiram frases recorrentes nas nossas infindáveis conversas.

Uma delas, “ conjugar o verbo ir em todos os tempos verbais: ir, vou, fui, irei, indo…”, acalmava a tua sede de viagens, de ver coisas novas, de experimentar lugares e sítios. Foi um dos teus amores durante a vida: viajar, nem que fosse só dar um passeio regressando no mesmo dia.

Lembrei-me de ti e levei-te a passear, rumando a sul, entrando dentro do primeiro comboio que parou na gare. Não interessava o destino, o bilhete dava até ao fim da linha.

De mochila às costas e não sabendo para onde ia, tinha a escolha de sair do comboio quando o instinto me sussurrasse ao ouvido.

Olhava pela janela e vi parte da minha vida vista de cima tal e qual como via o Tejo.

Esvoaçaram na minha cabeça frases da campanha da Sumol! O target é, obviamente, jovens da idade dos meus filhos, mas fizeram cá dentro um eco perfeito recordando que já tive a idade deles. E percebi que a semente não morre e que ficou bem guardada cá dentro não ligando importância às rugas que apareceram com os anos.

pratica o “ não me interessa o que pensas de mim”.

( mantém-te original)

“ um dia vais achar que tens de trocar de carro de 4 em 4 anos”

( quando esse dia chegar não lhe fales)

Fantasticamente sãs essas filosofias e liberdades da minha juventude e que agora tornava a tê-las com outra sabedoria e outro sabor.

O comboio ganhou mais velocidade e as imagens, vistas da janela, confundiam-se umas com as outras fundindo-se num mar de cor indecifrável. Nadando aproximei-me do que queria.

Não há hipótese de me enganar: o destino é sempre o meu e o mundo é maior.