Escrever histórias 100 palavras

As histórias fazem parte do nosso universo, mesmo quando já somos crescidos por fora. Escrever histórias é uma das formas de conseguir sobreviver ao mundo dos crescidos. Helena Artur é o pseudónimo da Joana Quinta

quinta-feira, maio 24, 2007

AINDA ME SOBRAM AS PALAVRAS





Hoje sobram-me as palavras.

Há várias semanas que não escrevo porque as palavras sobram-me, bailando-me na cabeça enquanto durmo, enquanto como, enquanto tento concentrar-me no trabalho, nos prazos a cumprir, nos requerimentos a apresentar sem me darem descanso nem sossego.


Sentam-se ao meu lado apoiadas na força da sua presença enquanto conduzo, enquanto faço compras no supermercado, embalo os encantos e desencantos, analiso as contas mensais e enquanto sinto as saudades que teimam em sentar-se ao lado delas.

As cerimónias de casamentos, funerais, baptizados, despedidas de solteiro, jantares de antigos alunos e outras reuniões no género produzem sempre este efeito: introspecção, análise, revisitações ao passado, alegrias e mágoas, associações, paixões, sentimentos antagónicos, arrependimentos, esperanças e expectativas.

Casar uma filha continua a ser algo verdadeiramente importante, por mais que os tempos mudem e os valores se transformem.

Ser "a mãe da noiva" continua a ter um peso que só agora conheço.
No próximo sábado serei "a mãe da noiva" e, no meio dos horários apertados do emprego, do acompanhamento escolar e emocional dos miúdos, dos afazeres domésticos normais, reconheço que tratar em meia dúzia de meses de tantos assuntos importantes fazem com que chegue ao dia da boda perfeitamente esgotada.

Mas é fundamental que a mãe da noiva esteja bem e bonita na cerimónia...é fundamental, têm-me frisado várias pessoas, incluindo a miúda.

Porquê? Para além dos motivos óbvios, como a beleza global da cerimónia, os olhares voltados para as figuras mais destacadas, etc, existe uma razão que, embora tenha uma secreta e inconsciente existência subliminar existe e está presente: a mãe é o reflexo feminino da noiva tanto a nível do passado como do futuro. Quem sabe se, em várias cerimónias, o noivo disse "não" olhando para a futura sogra revendo nela a sua futura mulher passados uns bons pares de anos?!
Claro que tudo isto não passa de piadas que me vêm à cabeça provavelmente para me aligeirar a cabeça durante estes dias de stress.


Curiosamente sobram-me as palavras e os sentimentos, não conseguindo alinhá-los e dar-lhes ordem e estatuto, exactamente na mesma proporção da falta de tempo que tenho tido.

É também nestas alturas que paralelamente aos alinhavos dos vestidos, da escolha do véu e de cores de grinaldas, se cosem, descosem, esfarrapam e remendam algumas conversas inacabadas ou deixadas para trás ao longo de anos.
De braço dado com os conselhos para o futuro estarão as análises ao passado, as alegrias insuperáveis e as mágoas marcadas a fogo nos corações.

No sábado as previsões do tempo são: temperatura abaixo dos valores normais para a época, chuva, céu muito nublado, sem abertas, com possibilidade de ocorrência de trovoadas.

Como diz o ditado popular: "casamento molhado, casamento abençoado".

Seria necessário tanta benção?? Não chegariam uns chuviscos no meio de clareiras ensolaradas e de uma temperatura bem mais alta que as golas que vamos ter de vestir?

Ainda me sobram as palavras.