REFAZER FUTUROS
Recostou-se no cadeirão deixando pender a cabeça para trás num derradeiro
gesto. Pensava no que o passado tinha levado consigo. Na porta que finalmente
fora obrigado a fechar para sobreviver a uma forte tempestade que acabaria por
ser fatal. No que tinham sido um para o outro e no momento da separação. No
deambular pelos caminhos da incerteza e da desconfiança. O momento em que se
rendeu por cansaço.
O amor que damos nunca é igual ao amor
que se recebe, por muito que o tentemos pesar
numa balança de sentires e emoções. É mesmo assim, está sempre em
desequilíbrio. Qual o lugar que ocupa o sofrimento? Interrogou-se olhando o
nevoeiro que se adensara desde a manhã.
Interrogava-se relembrando o caminho
percorrido, as juras, os encontros, as mãos, as fugas, os atrasos, o passado e
o vazio do presente. Um presente onde os silêncios alimentavam o dia-a-dia.
Inclinou-se novamente sobre a secretária
relendo: Passam-se semanas e o teu silêncio é perturbador. Creio que não
queres ser incomodada e vais levando o teu fardo a bom porto e claro, estás no
teu pleno direito. Tenho muitas saudades tuas e terei que viver com isso de
forma educada e contida e por isso este mail só fará sentido se souber que está
tudo bem contigo, ou seja, na mesma onda de sempre. Afinal o tempo passa,
estamos outra vez no Outono e a vida continua não muito emocionante. Um beijo.
- Mas a vida também é feita de silêncios e sonhos. – costumava dizer-lhe ao
ouvido, quando permaneciam horas a fio encostados um ao outro.
Um sinal sonoro fê-lo voltar à realidade e percebeu que tinha recebido uma
mensagem. Abriu a caixa de correio electrónico.
- A vida também é feita de silêncios e sonhos... Aprendi-o há muito e da
pior forma. Também contigo. Mas vou vivendo, refazendo-me, tecendo a teia da
minha nova vida e não me queixo talvez por ter igualmente aprendido que de nada
valerá.
Sei que a vida, por vezes, pode não ser emocionante, ou melhor, sei que a
vida é sempre emocionante mas que, por vezes, nós não conseguimos sentir essa
emoção e essa fantástica experiência que é viver. Mas nunca a devemos
perder...não te esqueças que a reencarnação não é certa e que viver é
certamente a grande maravilha ! Um abraço. Teresa.
Teria sido melhor não lhe ter escrito!
Tratá-lo como um amigo a quem se fala do tempo e dos silêncios??!! Bolas, por
que seria que a bitola nesta vida tem sempre que ser o sofrimento?
Aquela dor surda que rói a vontade, o
ânimo e a esperança. Aquela dor que fará sempre a diferença no próximo amor.
Aquele odor que se recorda como ao perfume de quem se amou. Aquele tremor que
nos remexe as entranhas quando ainda temos medo de nos perder.
Sentiu o chão debaixo dos seus
pés.
Acariciou o bichano que permanecera
imóvel no sofá fazendo ninho no seu casaco e saiu atrevendo-se nos silêncios
vivos da noite.
Buscava o tempo que sara as feridas
profundas. Buscava tornar a refazer os futuros.