Escrever histórias 100 palavras

As histórias fazem parte do nosso universo, mesmo quando já somos crescidos por fora. Escrever histórias é uma das formas de conseguir sobreviver ao mundo dos crescidos. Helena Artur é o pseudónimo da Joana Quinta

terça-feira, outubro 23, 2012

DESERTO


O coração do deserto foi o caminho 
onde andámos semeando 
trilhos ávidos de água 
onde secámos mágoas 
descobrindo que a verdade do deserto é o silêncio.

AMANHà



Beijei-te de baixo para cima 
e engoliste-me o silêncio
travado na garganta e no colo masserado, 
encaracolado e dolorido.

Não há razão para te amar mais ou menos dos que aos outros
mas este amor enorme existe em mim
quando te beijo de baixo para cima 
e me engoles.

O amor em que nos tornamos faz 
as bocas serem trespassadas 
pelas línguas vermelhas onde escorre a saliva
que nos possui ou nos encontra.

Quando te beijo de cima para baixo 
transpiro palavras,
as que digo e as que sinto. 
E mais as que queria dizer
cheias de silêncios e abismos,
metáforas e feitiços.

E enfeitiçados pelo cheiro dos corpos alados
das mágoas secas e das alegrias frescas
beijamo-nos, lado a lado, com os lábios presos
às cordas dos afectos transpirados
entre as gotas do mundo desse tempo.

quarta-feira, outubro 17, 2012

IMPERMANÊNCIA

Abraço com ternura 
que nada é permanente 
exceptuando a mudança.

quarta-feira, outubro 10, 2012

NAUFRAGANDO


Explicava Florbela Espanca a seu pai quando ele lhe fazia notar o seu descontentamento: 

" Oh ingénuo pai de 60 anos, quando é que tu viste servir a inteligência para tornar feliz alguém? Quando oh ingénuo pai de 60 anos?...Só se pode ser feliz simplificando, simplificando sempre, arrancando, diminuindo, esmagando, reduzindo; e a inteligência cria em volta de nós um mar imenso de ondas, de espumas, de destroços, no meio do qual somos depois o náufrago que se revolta, que se debate em vão, que não quer desaparecer sem estreitar de encontro ao peito qualquer coisa que anda longe: raio de sol em reflexo de estrelas. E todos os astros moram lá no alto, oh ingénuo pai de 60 anos!"

Oh quem me dera ter aqui o meu pai a quem pudesse, pelo menos, tentar explicar-me.

quarta-feira, outubro 03, 2012

0910 RECENTE


Cheguei. Passavam poucos minutos da meia-noite. Deitei-me a teu lado na esperança de que acordasses e me quisesses.
Enganei-me, o teu inconsciente virou-me as costas.
Acredito que o destino achou melhor que procurasse na escrita cada palavra, cada frase para te dizer o que quero, o que desejo, o que mais sinto.
Preciso de falar de mim quando tu mais precisas de atenção. 
Preciso de dizer tudo o que sinto quando tu sentes, neste momento, o bater do coração das coisas mais mortas. 
Não tenho outra forma de te ajudar se não a de te fazer acreditar.


B INVOLVED : Measuring the Universe

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Difícil é suportar esta tempestade em mim,
revolta de solidão acompanhada.
Angústia de não ser,
de não me ter contigo cá dentro.
Não poder ver a a luz
brilhando como num dia ido,
que de tanto brilhar cegou
meus ávidos olhos
sem ver que não suportaria viver
sem imaginar  janelas por abrir,
portas por descobrir,
caixas com amor lá dentro
onde pudesse misturar sentimentos, 
tal ervas aromáticas,
cujo cheiro saciasse o meu desejo,
que sossegasse a tempestade,
acalmasse a revolta que retalha,
que tornasse mais fácil
o embalo do desejo.


MAGIA DO REINO DAS PRINCESAS (II)

     ( Referendo de 2007)



E quem te disse que o sangue derramado não é o nosso?
O filho quem o perde somos nós, a perda sente-se no feminino. 
Não entendo porque votarão os homens no referendo da despenalização do aborto se, quase invariavelmente, é um "não" que escrevem nas bocas quando lhes dizemos que estamos grávidas.
Vão votar o quê? Que sabem disso? E do que não sabem e do que não fazem e do que não apoiam ...nada podem contar ou ter opinião.
Filhos são feitos por duas pessoas de sexos diferentes. Homem e mulher. Na sociedade em que vivemos quando não é gerado dentro de um casamento quase sempre não é bem recebido e se a mulher decide tê-lo sem a ajuda do pai quem a suporta emocional e financeiramente?

Que sociedade é esta que sem apoiar as mulheres na sua gravidez e nos seus filhos "sem pai", põe a hipótese de não deixar que sejam as mulheres a escolher se conseguem ou não suportar todo esse caminho caminhado no singular? Não é óbvio que sem condições de suporte as mulheres não conseguirão ter os seus filhos se os seus pais disserem "não", mesmo que hipocritamente digam "não à despenalização do aborto"?