Escrever histórias 100 palavras

As histórias fazem parte do nosso universo, mesmo quando já somos crescidos por fora. Escrever histórias é uma das formas de conseguir sobreviver ao mundo dos crescidos. Helena Artur é o pseudónimo da Joana Quinta

quinta-feira, maio 26, 2011


ESPIRAIS DE SILÊNCIO

“ Não estou melhor nem pior sem ti, estou mais eu”

Não pertencendo a ninguém

somos mais nós.

Ficamos sempre mais nós quando deixamos de fazer parte de alguém

ou quando ninguém ocupa lugar algum do nosso todo.

É assim.

Ficaremos mais tristes ou mais alegres,

mais dinânimos ou inactivos,

deprimidos ou com vontade de agarrar a vida,

mais ou menos magoados,

mas ficamos sempre mais nós.

Amando alguém fazemos parte de um todo.

O amor retira-nos egoísmo e reparte-nos com o coração do outro.

Divide-nos a alma e espalha-a para que a cumplicidade nasça,

que a adaptação ressurja do que não existia antes.

Ter em conta o outro, ficar atento

é também amar

continuando a sermos os mesmos

mas mais ricos na partilha e na cumplicidade,

mais felizes no encontro.

A nossa essência continua exactamente a mesma

mas em consonância com o ritmo do outro,

com o seu respirar

com o seu querer

sem que o egoísmo tome parte de nós.

Quando ficamos sós

parece-nos que tornámos a ser mais nós,

a fazer o que queremos, quando queremos.

Estamos mais tristes ou mais alegres sem ter de pensar em mais ninguém.

Não aguardamos o outro, não nos pode magoar,

nem o esperamos mais.

Estamos certamente muito mais pobres

ou então, o outro não era o tal.

Quem nos faria esquecer o egoísmo,

o isolamento,

o desamor pelos outros e pela vida.

Se te sentes mais tu agora

É porque não era eu.

Posso inventar que agora sou mais eu.

Durmo quando quero

acordo quando menos espero.

Pinto ou escrevo sem hora marcada,

saio sem olhar para o relógio,

esqueço-me do telemóvel

e absorvo o mundo como nunca.

Amo quando quero,

odeio quando é preciso

choro ou rio sem me preocupar.

Arejo a cabeça e o coração sempre que me dá na gana,

a rua acolhe quem nunca vi

como se a vida tivesse estado suspensa enquanto estive contigo,

enquanto fui parte de ti.

Mas não estou mais feliz sem ti.

Se te sentes mais agora

e assim estás melhor

é porque

definitivamente não era eu.

quinta-feira, maio 19, 2011

ESTREMECI

( "PINA", homenagem à bailarina e coreógrafa Pina Bausch, realizada por Wim Wenders )

Há bastante tempo que nenhum filme conseguia prender-me, arrebatar-me, remexer-me por dentro.

Neste filme, ou melhor, neste documentário os documentos são de tal modo belos, vivos, apaixonados e apaixonantes que ficamos com a respiração suspensa e a sensibilidade percorre-nos o corpo, varre-nos o espírito, agita os sentimentos e alimenta as paixões.

Durante os minutos em que estive naquela sala de cinema senti.

Corpos humanos, movimento e movimentos, cores; um mundo humano também de paisagens feito, urbanas ou naturais, em palcos interiores ou plenas de ar fresco.

Entra em nós uma amálgama de corpos que transmitem de tudo um pouco: contam, falam deles e de nós, do mundo, dos sentimentos comuns, da sexualidade, do conflito, da paz, da vida, de nós, de nós, de nós e do que não conseguimos dizer.

Pina Bausch foi e é dança inundada de toda a sensibilidade e paixão que pode existir dentro de um artista.

Sensações, ritmos, formas, volumes, cores, movimentos, sensibilidade, beleza, muita beleza; os ruídos, os passos, o roçar da pele na pele e o esvoaçar vivo dos tecidos, as respirações, os estertores transformam-se em eternidade.

Verdadeira dádiva aos outros da magia da dança e do afecto, conquistando espaço e tempo, destruindo fronteiras. Conquista do tempo que parece explodir a cada segundo e do prazer e sofrimento desmedido da arte e do artista. O amor tornado palpável, vivo, corpóreo.

“- Dance, dance, senão estaremos perdidos”- é o que ouvimos Pina Bausch dizer no filme.

Wim Wenders respeitou essa paixão.

O CAMINHO FAZ-SE


"- Meu amor, minha querida, por ti tudo farei, para ficarmos juntos sou capaz de fazer qualquer coisa... farei o que for preciso para ficar contigo... Até a lua irei buscar se assim for necessário."

Sorrindo, Helena abraçou-o e acariciou-lhe os lábios com os seus respondendo serenamente:

"- Chiuuu...não digas isso, não é preciso que faças "qualquer coisa", que faças "o que for preciso" em actos exteriores de rebeldia, valentia ou destreza. Basta que me ames e faças a meu lado aquelas coisas que constroem os caminhos.
Que não deixes a meio uma viagem que agora me estás a convencer que será fácil e que eu sei que não é. Há muitas pontes a atravessar, não é fácil. Nenhum grande amor o é.
Por isso, basta que me digas que a faremos juntos, galgando o dia a dia, caminhando pelas estradas que escolhermos, mesmo nos caminhos com pedras e que colheremos as flores na alegria dos sucessos, amando-nos nesse desenrolar da vida.
Esse é um grande amor. Isso é felicidade. A alegria renasce assim".

segunda-feira, maio 09, 2011

SOMBRA

O coração é uma sombra que fala.

Sussurra incansável ao ouvido mesmo quando nos fingimos surdos.

Teimosamente empurramos para dentro de nós a razão

tentando resistir, como se as emoções não lhe fossem imunes.

Ah! Mas aquela voz surda ecoa

como uma sombra que não mente.

Tapamos os ouvidos, afastamo-nos

tentando fugir para onde só existam meios-dias,

mas ela conta-nos sobre a dor da ausência

que continua presente.

O coração diz,

sem som e sem palavras,

a dor da solidão,

o amor, o adeus que se sente

e a lealdade

das lágrimas que escorregam quentes.

A ausência está em mim presente

como se pedaço de vida fosse,

como na vida onde nos construímos.

O coração sabe dizer

sem falar.

sábado, maio 07, 2011

JUNHO



Este Maio que ela aguardou
lavado e quente
já despido da cor do Outono,
como um pano de linho branco,
não chegou.

Não trouxe consigo,
como os que ardiam na sua memória,
os frutos dourados
que ela arrumaria docemente
no cesto a um canto da sala.

Nem viriam desta vez
as neblinas das manhãs adormecidas,
a quietude das noites brancas,
o encontro esperado da onda na areia deserta
nem o silêncio a pulsar no verde dos pinhais.
O milagre da comunhão com a terra
não aconteceu.

Maio voou como um pássaro de asa ferida.
Em vez da onda veio o mar,
nos pinhais soprou um vento agreste
e as manhãs gelaram.
A comunhão não se deu.
Maio foi festa adiada.

Tirou do peito o que lhe pertencia
guardou-o na concha das suas mãos nuas
com tudo o que sentia
e deu-lho em troca.

Trocou Maio pela angústia
o certo pelo incerto
o sim pelo talvez.
Pousou-o delicadamente,
como um novelo,
nas palmas das mãos dele
e ofereceu-lho.

Não estava enfeitado com fitas ou laços
nem papel colorido
nem etiquetas de marca.
Trazia unicamente
a chuva miudinha
o chão molhado
as pinhas secas no chão.
Cheirava a mel e a figos,
a medronho e a romãs.
Cheirava à seiva da terra
e trazia vida dentro de si.

Retirou-se
e em silêncio
aguardou que um novo Maio chegasse
lavado e quente
antecedendo um mês de Junho.

quinta-feira, maio 05, 2011

PUZZLE
( a pedido substituo o nome original "CANCRO")

E o que custa voltar lá mais uma vez?...

Sentei-me mais uma vez à espera num corredor estreito com meia dúzia de cadeiras. Tão estreito e tão pequeno que mal chega para se aninharem as mágoas, os sustos, os medos, os anseios e o vazio de quantas estão, mais uma vez, esperando.

E o que custa estar sozinha nessa espera que não sabemos se é de vida, de morte ou de sentença de adiar? Não ter com quem falar do que nos assusta ou de outra coisa qualquer é terrível, aterrador porque só ouvimos os ecos das dores dos outros.

E o que custa quando nos sabemos sós naquela batalha sem sequer conhecermos as armas com que podemos lutar? Resta a coragem e o medo de quem tem coragem.

Já devia estar habituada. Há mais de dois anos que o faço sozinha; olho invejosa para as colegas que estão acompanhadas e mimadas.

Quantas como eu ficam no seu canto quietas, bem comportadas a ouvir o bater do coração como única companhia possível, até que, ouvindo o nosso nome ele quase pára.

“É a minha vez…agora vou eu entrar... é agora”.

Pegando na mala, no livro e no saco dos exames, levando debaixo do braço a folha com as perguntas estudadas, lá desando para o gabinete asséptico deixando o meu vazio na cadeira. Transporto o medo do momento.

E o que custa tudo isto? E o que custa a espera dos resultados e o veredicto do médico?

E o que custa o silêncio, uma não certeza, uma não vida a crescer dentro do susto?

E o que custa chegar a casa e continuar só, não contar aos filhos porque são filhos, nem aos amigos porque são amigos, limitando-me a contar aos gatos que entendem que não é um bom dia para festas?

E o que custa continuar sempre a falar comigo, para dentro, até ao ponto de não saber se somos nós que falámos ou se ouvimos alguém dizer alguma coisa?

Pensamentos, esperas, receios, esperanças e solidão misturam-se até que a reacção é uma única: inevitavelmente andar em frente. Até à próxima vez em que tenha de me sentar naquele corredor estreito com cheiro a éter e a desinfectante.

E o que custa sabermos isso? Eu sei como se vive esta parte da vida.

quarta-feira, maio 04, 2011

REENCONTRO


A amizade passou por mim
na manhã lilás.
Discretamente soprou para longe os crisântemos do desespero
que ainda forravam os vales
e das sementes
nasceram girassóis
da vida a acontecer.

Vinha escondida no cesto das amoras silvestres
que se oferecem na madrugada.
Tinha a ternura da manta
que acolhe os nossos ombros,
do cântaro de água fresca
pousado no chão de pedra,
da fruta madura
perfumando a roupa da cómoda antiga,
do cheiro do pão fresco
guardado no linho
da arca esquecida.

Senti-a
no olhar das palavras que não foram ditas
no afago que ficou perdido no ar
no mistério do gesto
que não chegou a acontecer.
Veio quebrar
o labirinto do quotidiano
onde às vezes me desencontro
e me encontro.

Pousei a cabeça
nas mãos e fechei os olhos
sentindo no cabelo, como uma carícia,
a paz do entardecer
trazida no vento
pelo voo dos pássaros.

domingo, maio 01, 2011

DIA DAS MÃES,
OU SEJA, TODOS OS DIAS!!!

Para todas as mães que amo e amei,
para todas as que me amaram,
um pensamento de amor.