Escrever histórias 100 palavras

As histórias fazem parte do nosso universo, mesmo quando já somos crescidos por fora. Escrever histórias é uma das formas de conseguir sobreviver ao mundo dos crescidos. Helena Artur é o pseudónimo da Joana Quinta

sexta-feira, novembro 30, 2007

BEIJAS-ME?



"- Beijas-me?... Dás-me um beijo, mesmo sem sabermos o que faremos no futuro?"- pediu Meg, em tom de interrogação, olhando para Mathew.

"- Acho que devemos aproximar-nos devagar, para que não tornemos a magoar-nos. Ainda está tudo muito recente...a nossa zanga, a separação, as mágoas, as acusações, os erros, os fossos de desconfiança que se abriram em cada um de nós."- respondeu-lhe apesar de não tirar os olhos da sua boca desenhada.

"- Então não me beijes, por favor. Não me recordes o sabor dos beijos. Prefiro ficar no meu canto sossegada, quieta, com a felicidade que tenho construído com o que me cerca e sei ser a realidade com que conto." - Meg levantou-se afastando-se um pouco mais dele.

"- Estamos muito fragilizados e feridos. Agimos como se nos desconhecessemos totalmente. Como se os anos que passámos juntos fossem meros ensaios para um voo que não teve sucesso. Ensaios e mais ensaios vividos com um amor imenso, uma partilha de emoções, de sentidos e de sentir."- confirmou Mathew como se conseguisse ter força para não tocar em Meg.

"- Pois, eu sei...recordo e continuo com saudades do sentir, do tocar...e dos beijos sem fim, vertigens dentro de um mundo especial donde nunca voltávamos iguais."- relembrou sentando-se numa cadeira de braços ao pé da secretária.

Mathew tinha-se levantado e contornando a cadeira tocou-lhe no pescoço, na pele branca já sem pistas deixadas pelo sol de um verão passado. Meg sentiu-se estremecer como se não conhecesse aquela mão, como se nunca tivesse estado nua em frente aquele homem.

"- Sabia que não devia ver-te...que não te resistiria. Que não conseguiria calar mais cá dentro esta falta de ti."- dizendo isto cheirou o pescoço de Meg lambendo-o ao mesmo tempo.

Meg sentiu a mão dele percorrer-lhe o pescoço até à nuca arrepiando-se até aos mamilos que por baixo da blusa esperavam o amor dos beijos. Mathew procurou os lábios da amada mordendo-lhe os cantos da boca, desfazendo-lhe as dúvidas, rompendo a promessa de não a beijar.





QUENTE & FRIO


No verão o tempo quente, as temperaturas convidativas a usar o corpo nu fazem-nos aproximar, roçarmos pele, pernas e entrelaçar as mãos já dadas há muito.

Com a chegada do frio, dos casacos de lã, do vento agreste que agride e fere, o nosso calor pede-se e repete-se no prazer da pele, das pernas e das mãos entreabertas para o conforto das almas que se amam.

Para quando, meu amor, para quando, como no doce "quente & frio", saborearmo-nos enquanto lá fora, incessantemente tremendo, o mundo acorda com os horrores de sempre?

sexta-feira, novembro 23, 2007

BALANÇO

Solta-se a escrita como quem solta os cabelos
apanhados por um espartilho durante todo o dia fora de casa.

Soltam-se os gritos como quem despe o vestido aprumado
usado diariamente para trabalhar, para ver sem ser vista.

Solta-se a alma de quem ama com as letras a decorarem as palavras
e as frases como quem pinta um quadro ou desenha um monstro.

Um poema é um desenho sem sons.
Tal como a nossa história.

segunda-feira, novembro 19, 2007

Marguerite Yourcenar


"Ergueu-se, então, a custo, não porque fosse necessário, mas para provar a si próprio que ainda lhe era possível fazer esse movimento. Muitas vezes lhe acontecera abrir segunda vez uma porta, só para provar a si mesmo que a não tinha fechado para sempre, ou voltar-se novamente para uma pessoa de quem se despedira apenas para negar a finalidade de uma partida, demonstrando com isto a si mesmo a sua pequena liberdade de homem. Desta vez, realizara-se o irreversível."

Marguerite Yourcenar in A obra ao negro, 1968.

sexta-feira, novembro 02, 2007

2 DE NOVEMBRO


Nunca mais visitei a tua campa. Para mim não estás lá. Não faz sentido pensar que o que sentias e o que eras pode estar encerrado, fechado, quieto e calado para sempre.
Somos nós que te damos vida todos os dias.
Quero lembrar-me de ti antes do sofrimento, quero lembrar-me dos nossos momentos, das alegrias e das tristezas que partilhámos. Foi essa a nossa vida, foi assim que nos conhecemos e que nos tornámos diferentes e inimitáveis.
Se estivermos lado a lado, sem eu saber, acreditarás no vazio e na saudade que mora em mim?
Saudade de ti, de te ter ao pé, de te poder falar e ouvir. De falarmos de sentimentos e de nós.
Também me lembro muitas vezes do pai. Mas foi-se embora tão cedo que o vazio é mais antigo que o de ti. Habituámo-nos a ele juntas. Ajudámo-nos a entendê-lo e a guardá-lo.
Alturas houve em que sentia que estavas perto. Tão próximo...Ilusões minhas para conseguir colmatar a dor da saudade.
Continuas a amar-me? Eu amo-te ainda e sempre.